A população chilena está dando um recado muito claro a respeito do que pensa sobre as reformas estruturais levadas a cabo em seu país ao longo das últimas décadas.

Porém, o aparente espontaneísmo atual não pode ser explicado sem se levar em conta as sequelas da herança trágica do conservadorismo na política econômica pr lá.
O fato detonador do movimento de insatisfação popular foi a majoração do valor do bilhete do metrô da capital. O reajuste até que nem foi tão explosivo assim, pois subiu de 800 para 830 pesos – menos de 4% no aumento. Se compararmos, por exemplo, com a recente mobilização popular de insatisfação com políticas públicas que afeta o Equador, o quadro é bem mais “ameno”.
O fato concreto é que o governo equatoriano havia solicitado um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e o organismo multilateral acabou impondo uma série de exigências como contrapartida da liberação dos recursos.
Chile, Equador i otras cositas más
O processo de transformação do Estado chileno e dessas políticas públicas antipopulares remonta ainda ao golpe militar comandado pelo General Pinochet em 1973, que implantou uma das ditaduras mais ferozes que se tem conhecimento no continente latino-americano. Após assassinar o Presidente Allende e espalhar o terror e a tortura, o regime se transformou em um verdadeiro laboratório de experiências das propostas tresloucadas da chamada Escola de Chicago. Eram economistas obcecados em promover a destruição do Estado pelo mundo afora, em dar um basta às criações geradas ao longo dos anos de ouro do keynesianismo nos próprios países do universo capitalista.
Graças à existência de um regime que assassinava e exilava os opositores, o governo seguiu à risca as recomendações dos chamados Chicago boys. Eram alunos recém doutorados sob a orientação da turma de Milton Friedman que voltavam do Estados Unidos ao Chile imbuídos de uma missão. Seu objetivo maior era privatizar, reduzir a capacidade de a administração pública desenvolver políticas de desenvolvimento e destruir o regime de previdência social. Os descontentamentos e as críticas a tais intentos eram solucionados “manu militari”, de forma que as possibilidades de reversão desse conjunto de medidas só viriam com o fim da ditadura a partir de 1990.
Experimento neoliberal lá e cá
Tendo em vista todo esse complexo histórico vivido pelo país quase vizinho, muitos analistas começam a apresentar sinais de preocupação com relação ao futuro do Brasil. Afinal, o objetivo declarado de Paulo Guedes é promover por aqui um intento neoliberal fora de época. Assim foi com a manutenção da EC 95, congelando por 20 anos os gastos orçamentários com políticas sociais e com investimentos públicos. Assim está sendo com a proposta de destruição do Regime Geral da Previdência Social (PEC 06) e com a proposta de ainda implementar por aqui também o regime de capitalização (PEC paralela). Assim está ocorrendo com a tentativa de promover um amplo processo de privatização de empresas estatais do governo federal.
Assim foi com a continuidade das mudanças proporcionadas pela chamada “Reforma Trabalhista” do governo Temer, que nada mais significa senão destruição de direitos dos trabalhadores e redução de seus salários. Assim pretende também ser com a prometida “Reforma Administrativa”, um eufemismo que objetiva destruir alguns dos alicerces de uma administração pública que ainda seja capaz de cumprir com os mandamentos constitucionais de serviços públicos universais e direitos de cidadania ainda preservados. Assim pretende ser também com a cruzada obstinada do superministro em seu intento do chamado “3D” – desconstitucionalizar, desindexar e desvincular.
No entanto, ao contrário do que se viu nos países vizinhos, a população brasileira parece ainda não ter tomado plena consciência a respeito dos riscos envolvidos em todo esse processo de destruição e desmonte.
Caso não se consiga impedir essa avalanche criminosa por essas terras, o futuro pode ficar sombrio e preocupante también para nosotros.
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil