Nossos olhos são convidados a saber sobre as eleições nos Estados Unidos, convencidos que estamos, e como sempre, sobre a nossa vocação colonial. E que, na América abaixo da linha do Equador, permaneçam abertas as suas veias
Por Maria Fernanda Arruda – de Santiago do Chile
Para nós, brasileiros, a América do Sul não é mais do que um vizinho incômodo ou, na melhor hipótese, indiferente. O Brasil, em alguns momentos, não disfarçou seus sentimentos, quando adotou posições belicosas. Afora o genocídio praticado no Paraguai, anexou o Uruguai, obrigando-o a lutar por sua independência. E, em últimos lampejos de imperialismo subdesenvolvido, imaginou-se, ao menos na cabeça de Jânio Quadros (enquanto Presidente da República), retomar a antiga Província Cisplantina e anexar a Guiana Francesa.
Nossos olhos são convidados a saber sobre as eleições nos Estados Unidos, convencidos que estamos, e como sempre, sobre a nossa vocação colonial. E que, na América abaixo da linha do Equador, permaneçam abertas as suas veias. Quem quisesse saber sobre as eleições nas províncias chilenas, prévias para o próximo pleito presidencial, deveria garimpar nas páginas internas dos grandes jornais.
Apoio da CIA
Entre nós, os mais eruditos e informados, sabe-se que Pinochet não oprime mais o país que já teve um presidente de nome Eduardo Frei. Hoje, é governado por uma mulher. O Chile começa a montar o seu drama sangrento em 1964, ano em que, no Brasil, ele já começava a ser experimentada a ditadura, com seus atos institucionais. É que Eduardo Frei e a democracia cristã iniciavam um novo governo. Adotou o slogan “Revolución en Libertad“, que se poderia imaginar como inspirado nas ideias de Raul Prebish e da CEPAL.
Celso Furtado, FHC, Jose Serra e outros brasileiros exilaram-se sob as asas e as idéias de uma teoria do desenvolvimento econômico. Na verdade, Frei, vencia com o apoio maciço da CIA, que o apoiou, provendo mais da metade das verbas de sua campanha política. E promoveu uma gigantesca campanha publicitária em seu favor. Frei inciou, assim, um programa de mudanças sociais e econômicas. Contemplava reformas no sistema educacional, construção de casas populares, sindicalização dos trabalhadores rurais e reforma agrária.
Oposição conservadora
À partir de 1967,encontrou uma crescente oposição por parte dos setores mais à esquerda, que o acusavam de ser tímido nas reformas. Bem como uma forte oposição dos setores mais conservadores, que achavam tais reformas excessivas. Com Salvador Allende, que foi candidato derrotado nas eleições de 1952, 1958 e 1964, e eleito em 1970, a oposição conservadora radicalizou-se. Em 1974 contou com a ajuda clara e incisiva dos Estados Unidos, levando ao golpe e aos anos torpes de violência extremada.
Pinochet assumiu o governo, instaurando uma ditadura que iria dominar o Chile pelo terror extremo. Sustentado acintosamente pelos Estados Unidos. Imediatamente, impôs ao país o modelo econômico já previamente montado pelos economistas da Universidade de Chicago. Os “Chicago’s boys”, um neoliberalismo que levava ao encolhimento do Estado, aos programas de privatização. E à preocupação concentrada no equilíbrio das contas públicas, como forma para encolhimento dramático de todas as despesas sociais. O empobrecimento imposto ao povo abriu caminho para colocarem fim à era Pinochet. Já não prioritária aos Estados Unidos, a ditadura foi rejeitada em plebiscito.
Neoliberalismo
Durante alguns anos, o velho ditador permaneceu como chefe das Forças Armadas. Não houve rompimento, como na Argentina. Houve negociação e ajuste, tal como em 1985 no Brasil. E, se no Brasil tornou-se impossível a punição de torturadores, no Chile criou-se a possibilidade de os tempos de violência serem idealizados como tempos de “ordem e progresso”. Uma alternância de partidos no Poder, mas sendo mantido o mesmo quadro social e econômico, herdado dos tempos da ditadura.
Não se alterou a política econômica, obtendo-se mesmo assim um crescimento constante. Praticou-se um projeto de privatizações, com a venda de muitas empresas estatais. O papel do Estado foi ajustado aos parâmetros recomendados pelo neoliberalismo conservador do FMI. Com grande empenho em assegurar o livre-comércio e com a captação de grandes investimentos estrangeiros. E, nesse ponto, pode-se considerar que Chile e Brasil experimentam o mesmo desafio.
Alianças e acordos
Mesmo quando entregue o comando politico do país a um partido socialista, como no Chile, ou a um comado “trabalhista”, como no Brasil, é o sistema internacional que impõe regras e limites a serem respeitados, acima dos compromissos que tenham sido assumidos com o povo. Nos dois países, adicionalmente, o exercício do poder político por um partido vencedor nas urnas implicou na busca de uma “governabilidade”, que se baseou inevitavelmente em acordos.
No Chile, Bachelet contou com a adesão dos democratas-cristãos. No Brasil, a governabilidade foi tentada com um esquema complicado e infeliz de alianças. As eleições provinciais de 2016 representam uma prévia e uma preparação para as eleições presidenciais de 2017. Michelle Bachelet teve sensibilidade para dar muita importância a elas. Apelou, então, aos cidadãos para que votassem:
– La elección de alcaides y concejales es una dimensión crucial para el desarrol. Lo de nuestra democracia…es también una oportunidad para que sean los propios ciudadanos los que decidan el tipo de comuna que quieren.
Direita na América do Sul
A presidente não foi ouvida, registrando-se um índice altíssimo de abstenções. Cerca 14 milhões de cidadãos estavam habilitados a votar nos prefeitos e vereadores das 346 cidade do país na sexta eleição legislativa, desde a volta da democracia após a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Contudo, foi registrada uma abstenção acima de 65%, como já vinha acontecendo desde a instauração do voto voluntário em 2012.
Com certeza, votaram os que fazem parte das classes médias tradicionais e os “modernos”, os que ganham com as práticas da globalização neoliberal: gente a quem não agradam as propostas de reforma tributária. E foi por esse caminho que a “direita” venceu com 38,46% dos votos a coalisão governista. Esta ficou nos 37,09%, derrotada em Santiago e em todas as cidades maiores.
– Os corações sentem que tempos melhores estão vindo – declarou o ex-presidente Sebastián. Ele é o mais provável candidato único da direita para as eleições de novembro de 2017.
Definição de forças
Há muito pouco tempo para uma reação de Bachelet e de seu partido socialista. Caminha-se, no Chile, para uma solução política que o colocará na mesma posição que já ocupam o Paraguai (depois do golpe branco). A Argentina, (com a eleição de Macri). E o Brasil (após a deposição de Dilma Rousseff). Com esse novo quadro e com uma nova definição de forças, criam-se as possibilidades ideais para marginalização da Venezuela e sua subsequente submissão aos parâmetros definidos pelos Estados Unidos.
A escolha de José Serra para a condução da política externa brasileira tem um objetivo claro, que é o de esvaziamento do Mercosul. Também, por conseguinte, o sufocamento definitivo da Venezuela. Passaremos a ter assim um novo quadro e um novo alinhamento abaixo da Linha do Equador. O que coloca a região sob controle rígido do Departamento de Estado dos EUA. Aquilo que foi planejado durante o longo período de comando sob o PSDB de Fernando Henrique Cardoso, mas que Celso Lafer não realizou, vai se fazendo realidade ma lastimável realidade.
A mais provável presidente dos Estados Unidos soube como preparar e muito bem o seu caminho, enquanto chefe do Departamento de Estado.
Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil.