Chirac mantém discrição enquanto distúrbios se alastram

Arquivado em: Arquivo CDB
Publicado terça-feira, 8 de novembro de 2005 as 14:20, por: CdB

Jacques Chirac costumava falar com ardor sobre a desigualdade social na França e o combate à criminalidade. Isso quando concorria à Presidência, em 1995, e à reeleição, em 2002.

Agora, a França enfrenta uma revolta dos jovens pobres nos subúrbios e vê carros, lojas e escolas sendo queimadas todas as noites. E Chirac se mantém quase completamente fora de vista.

O presidente, que costuma ir à TV falar sobre outros assuntos, fez apenas uma aparição pública até agora. No domingo, ele disse que está determinado a restaurar a ordem. O anúncio de medidas como a autorização para toques de recolher foi deixado para seus ministros.

Essa discrição reforça a impressão de que ele e seu governo conservador têm poucas respostas a questões como desemprego, criminalidade e exclusão social. – A ausência do presidente é notável neste período que atravessamos, disse François Bayrou, dirigente do partido centrista União da Democracia Francesa (UDF), na terça-feira.

-Ele foi eleito sobre as questões da fratura social em 1995 e da criminalidade em 2002. E o mínimo que podemos dizer é que o que está acontecendo nos subúrbios está no coração dessas questões.

O longo silêncio de Chirac não passou despercebido nos deteriorados conjuntos habitacionais onde os desordeiros, muitos deles cidadãos franceses de ascendência árabe e africana, acusam o governo de ignorar o desemprego e a discriminação racial que enfrentam.

–  Chirac não tem nada a dizer. Ele é invisível, queixou-se Fouzi Guendouz, aluno de administração em Aulnay-sous-Bois, um dos vários subúrbios atingidos pelos tumultos na zona nordeste de Paris.

Analistas notam que o silêncio de Chirac coloca o primeiro-ministro Dominique de Villepin na linha de frente, tornando-o totalmente responsável por uma crise para a qual ninguém tem uma solução pronta.

“Esta discrição, se durar, pode ser vista como uma admissão de fraqueza ou uma negação da responsabilidade do presidente”, disse o comentarista Pierre Le Marc à rádio France Inter.

Chirac teve um problema de vista recentemente, mas já foi declarado curado e não há indícios de que isso esteja afetando seu trabalho.

O sumiço de Chirac é ainda mais notável porque ele já foi popular nos subúrbios, em grande parte por causa do seu apoio à causa palestina e contra a guerra liderada pelos norte-americanos no Iraque — dois temas que interessam diretamente à enorme comunidade muçulmana das periferias.

Em um livro lançado por ele na campanha de 1995, “Uma França para Todos”, Chirac dizia que “um terror suave reina nos subúrbios mais carentes” e propunha soluções para o país, que ele considerava “vulnerável e ferido”.

“Quando tantos jovens vêem no horizonte apenas desemprego ou curtos estágios ao final de estudos incertos, acabam revoltando-se. No momento, o Estado está apenas tentando manter a ordem e dando esmolas para evitar o pior. Mas por quanto tempo?”

Chirac, que na época estava atrás do então primeiro-ministro Edouard Balladour nas pesquisas, afirmava que “a fratura social está se aprofundando e toda a nação paga o preço”.

Sete anos depois, na acirrada campanha que lhe valeu a reeleição, Chirac acusou seu adversário socialista, o então primeiro-ministro Lionel Jospin, de ser brando demais com criminosos. O presidente prometeu então impor uma política de “tolerância zero”, semelhante à adotada em Nova York pelo então prefeito Rudolph Giuliani.

“Ninguém mais se sente seguro na França”, disse ele em 2002, numa visita de campanha a um subúrbio de Paris que agora foi atingido pelos distúrbios.