Ao anunciar, em 27 de dezembro, o nascimento do primeiro clone humano, a diretora da empresa Clonaid, Brigitte Boisselier, prometeu provas genéticas no prazo de nove dias. Até lançou um desafio aos jornalistas: “Vocês podem voltar para seus escritórios e me tratar como uma fraude. Têm uma semana para fazer isso.” Dezoito dias se passaram e até agora, nada. Nenhum teste de DNA, nenhum nome, nenhuma informação passível de comprovação.Nem mesmo uma foto da suposta Eva clone.
Até o jornalista americano convidado pela Clonaid para acompanhar a verificação científica da clonagem abandonou o projeto, alegando um possível golpe de publicidade por parte do Movimento Raeliano, seita da qual Brigitte faz parte. Como já previa a maioria dos cientistas, o clone da Clonaid merece tanta credibilidade quanto a crença raeliana de que a raça humana foi criada por alienígenas. Acredita quem quiser.
A própria Brigitte admite desde o início que a identidade do clone precisa ser confirmada por um teste de DNA, realizado por cientistas independentes. Segundo ela, a menina Eva é um clone de sua própria mãe, cujo marido não é fértil. O código genético das duas, portanto, deve ser absolutamente idêntico. Há alguns dias, entretanto, Brigitte disse que só fará o teste de DNA quando os pais da criança – cujas identidades também não foram reveladas – permitirem. No início da semana, ela ainda anunciou o nascimento de um segundo clone, filha de um casal de lésbicas holandesas, e prometeu outros três para as próximas semanas. Como no caso de Eva, nenhuma prova foi apresentada.
“Está claro que eles não têm como provar suas alegações”, conclui o presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e professor da Universidade de Brasília, Volnei Garrafa. Para ele, não há dúvida: o clone é uma farsa. “Foi um blefe. O objetivo do grupo era chamar atenção para a causa deles e nesse aspecto, tiveram grande sucesso.”
Clone ou não clone, o mundo inteiro hoje sabe quem são os raelianos, que acreditam que a clonagem é o caminho para a vida eterna. Segundo Claude Vorilhon, autodenominado Rael, fundador e líder espiritual do Movimento Raeliano, a Clonaid tem um lista de 2 mil pessoas dispostas a pagar US$ 200 mil cada por um clone. Sobre Brigitte Boisselier, que é “bispa” da seita, e sua empresa, Rael afirmou ao jornal Miami Herald: “É uma empresa comercial e seu objetivo é fazer o máximo de dinheiro possível, e eu espero que ela faça o máximo de dinheiro possível.”
“Tudo parece uma grande mentira, do começo ao fim”, diz a geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo.
Além das complicações éticas de se clonar um ser humano, muitos especialistas duvidam da capacidade científica e tecnológica da Clonaid de fazer o clone. “Se um sucesso já era improbabilíssimo, imagine dois”, afirma o geneticista Sergio Pena, professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Ele duvida das alegações da Clonaid por vários motivos. O sucesso da clonagem por transferência nuclear em mamíferos é extremamente baixa, lembra Pena. E apesar de vários animais já terem sido clonados, experimentos com primatas (os parentes mais próximos do homem) têm fracassado consistentemente até mesmo para a produção de embriões.
Sem credibilidade – Além de tudo, afirma Pena, a credibilidade científica dos raelianos “é próxima de zero”. “Vale lembrar que o ônus da prova está sobre a Clonaid; são eles que têm de provar que o bebê é um clone”, diz o especialista. “No meu laboratório, poderíamos dar um laudo em um caso como esse em menos de 24 horas.” A Clonaid ainda pode optar por não apresentar, nunca, nenhuma prova de suas supostas clonagens. Dessa forma, ninguém poderá dizer com 100% de certeza que os clones são uma fraude, por mais óbvio que isso seja. “Uma coisa é certa: enquanto não tivermos provas, permanece o fato de que um ser humano nunca foi clonado”, conclui Mayana Zatz.