Por Marcus Eduardo de Oliveira – de São Paulo:
“Uma vez que a sociedade tenha aceitado a visão de mundo de que o sistema econômico é sustentado por e contido em nosso ecossistema global finito, se torna óbvio que devemos respeitar os limites ecológicos. Isso requer que entendamos precisamente onde estão esses limites, e onde está a atividade econômica atual em relação a eles”.
O argumento acima é assinado por nada menos que nove dos maiores especialistas no assunto economia ecológica, dentre eles, Herman Daly, Robert Costanza e Tim Jackson.
Desse argumento, advém algumas importantes ponderações. Talvez a maior delas seja a de fazer com que a sociedade adote condutas para evitar o rompimento dos limites materiais e energéticos do planeta.
Uma primeira regra ou conduta, se assim podemos chamar, no que toca à categoria de limites ecológicos diz respeito a que as taxas de extração não podem exceder as de regeneração. Qualquer movimento em sentido contrário a isso certamente implicará no completo esgotamento de toda a base física que serve de suporte à atividade econômica.
Outro detalhe a se notar dentro dessa mesma perspectiva é observar com bastante acuidade três pontos destacados por Herman Daly, a partir da constatação de que, sendo um subsistema do ecossistema, a atividade econômica não pode crescer infinitamente, devendo, para tanto, respeitar os seguintes limites biofísicos: i) o tamanho fixo do ecossistema; ii) a dependência do consumo de recursos de baixa-entropia do ecossistema e lançamento de resíduos de alta-entropia no meio ambiente; iii) as complexas conexões ecológicas que se tornam mais frágeis à medida que cresce a escala do subsistema econômico em relação ao sistema atual. (2)
Do outro lado da moeda, é preciso estar atento para dois pontos que atuam no sentido de desrespeitar o meio ambiente, fortalecendo assim a pressão sobre o planeta: 1) ocapitalismo somente se consolida em termos de plena validade se ocorrer crescimento econômico; 2) ter a clara noção de que a economia sempre teve na produção e no consumo seu eixo articulador. Por isso, estímulos ao crescimento da economia (quantidade) são buscados com mais ênfase, em lugar do desenvolvimento (qualidade).
Foi justamente por conta desses dois argumentos que, principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial, a macroeconomia dos países que rapidamente se desenvolveram sempre foi esboçada para a busca do crescimento econômico, fazendo disso verdadeira obsessão.
Especificamente em relação ao primeiro argumento, é oportuno lembrar que “o desenvolvimento do capitalismo começou a acelerar por volta de 1870. Numerosas inovações tecnológicas surgiram entre as décadas de 1860 e 1910, resultando na ascensão da chamada indústria pesada e indústria química: máquinas elétricas, motor de combustão interna, corantes sintéticos, fertilizantes artificiais e assim por diante”. (3)
Tão pujante quanto isso, em termos de crescimento econômico, foi o período em que a literatura econômica classifica como a “Era do Ouro”, que vai do fim da Segunda Grande Guerra Mundial, 1945, até o primeiro choque do petróleo, 1973. Esse é o período em que o capitalismo alcançou a maior taxa de crescimento já registrada.
De acordo com Ha-Joon Chang, professor de economia da Universidade de Cambridge, “entre 1950 e 1973, a renda per capitana Europa ocidental cresceu à espantosa taxa de 4,1% ao ano. Os Estados Unidos cresceram mais lentamente, mas a uma taxa sem precedentes de 2,5%. A Alemanha Ocidental cresceu 5%, ganhando o título de `Milagre no Reno´, e o Japão cresceu ainda mais rápido, a 8,1%, iniciando uma cadeia de ´milagres econômicos´ no Leste da Ásia no meio século seguinte”. (4)
O Brasil não ficou indiferente a isso. Nosso “milagre econômico”, entre os anos 1969 a 1973, apresentou um crescimento do PIB entre 7% e 13% ao ano.
O problema maior envolto nessa questão é que, para se atingir o objetivo do crescimento, a primeira ação provocada, em âmbito global, é a de se desrespeitar os limites ecológicos, não compactuando com a noção central de que a taxa de extração de recursos deve ser praticada num nível inferior às taxas de regeneração, pois há de se levar em conta a restauração das reservas do ecossistema.
Sendo assim, se validarmos a prática dos dois pontos que citamos anteriormente – o do capitalismo consolidado pelo crescimento e o da economia que tem seu eixo articulador girando em torno de mais produção e consumo – somente agravaremos mais ainda as condições já insustentáveis de desequilíbrio ecológico que ora enfrentamos.
Ademais, como o apelo ao crescimento econômico sempre falou mais alto em qualquer esboço de política econômica, e, até mesmo face aos benefícios eleitoreiros que o mesmo causa no curto prazo, a prática do respeito à natureza, diante disso, sempre esteve completamente relegada a segundo plano.
Também por isso, quando os ecologistas apontam dedo em riste para os economistas acusando-os de somente pensarem no crescimento, pouco se importando com os estragos ao meio ambiente, esses se defendem alegando que é o crescimento que puxa para cima a atividade econômica, gerando rendas e empregos, dinamizando, pois, o sistema de produção, o que, cedo ou tarde, permitirá melhorar a vida das pessoas.
Não obstante esse argumento raso, uma vez que se confunde qualidade de vida com obtenção de bens materiais, pesa ainda um segundo argumento fartamente defendido pelos economistas crentes de que a tecnologia dará conta de suprir o esgotamento ecossistêmico “patrocinado” por mais produção.
No entanto, trata-se de um mito, verdadeira quimera, a ideia de que, a partir de inovação tecnológica, poderemos conciliar crescimento econômico sem agressão/destruição ambiental, ou mesmo diminuindo o impacto ambiental à medida que aumenta-se a capacidade de extração de recursos naturais para “alimentar”, cada vez mais e mais, a máquina de produzir suntuosidades da economia global.
Fato irretocável, ainda que haja muitos descontentes com essa verdade, é que continuar mantendo um modelo econômico global dependente do crescimento produtivo, implica aumentar o grau de degradação do meio ambiente, ferindo qualquer possibilidade de sucesso no que toca a equilibrar as condições ecológicas, bem como as sociais, uma vez que todo excesso produtivo não é – e nunca será – distribuído de forma equânime.
Diante disso, a conduta mais premente a ser adotada que vise, em primeiro plano, respeitar as bases físicas reais do planeta, certamente é a de colocar a economia global no rumo de se desenvolver uma cultura de atividade produtiva de menor consumo energético e material.
Qualquer coisa que se afaste disso somente continuará nos dando mais e mais frutos amargos vindos da insustentabilidade ecológica, cujos resultados, já crescentes no momento atual, dado o foco exagerado no consumo material, clarificam a acentuada queda de bem-estar humano, a partir do contato diário a que todos estamos expostos com a mais grave crise ecológica dos últimos tempos, criada, real e verdadeiramente, pela obsessiva mania de crescimento.
Notas:
- “Construindo uma economia na sociedade na natureza sustentável e desejável”, Cap. 7, disponível em www.worldwatch.org
- DALY, H. Beyond growth: The economics of sustainable development. Boston: Beacon Press, 1996
- Ver “Economia: Modo de Usar”, de Ho-Joon Chang, Portfolio Penguin, São Paulo, 2015, p. 69
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Idem, p. 80
Marcus Eduardo de Oliveira, é economista e professor de economia na FAC-FITO e no UNIFIEO, em São Paulo.