Contra ou a favor dos caminhoneiros?

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Publicado Domingo, 27 de Maio de 2018 às 15:49, por: CdB
Em férias no interior paulista, vivendo diretamente as consequências da greve dos caminhoneiros, deixo mais uma vez ao colega Lungaretti o destaque desta página, mas não posso deixar de destacar o absurdo do Brasil ter colocado toda sua estrutura de transporte nas rodovias e no transporte rodoviário, desprezando o transporte ferroviário. Alguém me enviou um vídeo de Gleisi Hoffman argumentando que nos tempos de Lula e Dilma não era assim, que o preço dos combustíveis não subia, imaginando que somos todos idiotas, nessas mensagens de populismo dito de esquerda, mas nem isso, e se esquecendo de nos explicar porque o PT não deu prioridade à criação de uma rede ferroviária no Brasil, como existem em todos os países do primeiro mundo, submetendo-se também ao lobby do transporte rodoviário. Essa crise atual pode nos levar ao caos e pior ainda a um caos de extrema-direita. Com vocês Celso Lungaretti. O Editor Rui Martins.   Por Celso Lungaretti, de São Paulo:
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De que lado estão os caminhoneiros?
Uma amiga de longa data cobrou-me no Facebook um posicionamento sobre a tal greve dos caminhoneiros. Expliquei que, desde o primeiro momento, fiquei dividido entre aplaudir o exemplo de luta que estava sendo dado neste momento de abulia e prostração nacionais, de um lado; e, do outro lado, receoso de que houvesse mais no quadro do que os olhos estavam vendo (lembrando o belo hino roqueiro My My Hey Hey, do Neil Young).
O diabo é que os caminhoneiros andaram amiúde sendo joguetes dos poderosos, tendo desempenhado, p. ex., papel infame na derrubada do presidente chileno Salvador Allende, quando, financiados pela CIA, cruzaram os braços e causaram um terrível desabastecimento, para enlouquecer a classe média e predispô-la a apoiar o pinochetazo que breve seria desencadeado.
Ademais, pelo menos os comandados por Ramiro Cruz Jr. (uma das lideranças da categoria) mobilizaram-se em apoio ao impeachment de Dilma Rousseff, o que tinham todo direito de fazer como meros cidadãos, mas não era exatamente uma pauta de caminhoneiros. 
Também fiquei ressabiado com o fato de não ser um movimento de trabalhadores lutando contra a exploração que todos os assalariados sofrem, mas sim de pequenos empresários em busca de vantagens para si e para os grandes empresários do transporte. Eles nunca quiseram descortinar um caminho para o povo, mas, apenas, abrir um atalho pelo qual só eles (e os vilões ocultos por trás deles) passariam.
Por último, desde sempre sou contrário aos movimentos e manifestações que extrapolam seu alvo e atingem quem nada tem a ver com suas reivindicações, como uma forma de chantagem contra aqueles a quem querem pressionar.
Locaute de caminhoneiros x golpe contra Allende
Ainda mais neste caso: o desabastecimento em si já seria mais do que suficiente para vergar o fraco governo de Temer à vontade dos caminhoneiros, então qual a necessidade do pandemônio nas rodovias? 
Numa concepção de esquerda, entre os principais objetivos de quaisquer iniciativas está sempre o de trazermos a população para o nosso lado, não o de impor-lhe transtornos e sacrifícios que a fazem antipatizar conosco. 
Enfim, como nunca me senti confortável em cima do muro, agora me defino: vejo o locaute dos caminhoneiros, principalmente, como um movimento exclusivista na sua essência e perigoso na sua execução. 
Não se trata de alarmismo. É que parte dos bloqueadores de estradas estão se recusando a honrar os acordos que suas entidades representativas estão fechando com as autoridades. Se insistirem, haverá violência. E, morrendo algum caminhoneiro, o efeito será o mesmo de acender-se um fósfoto num depósito de pólvora.
Neste momento, quem está preparado para capitalizar o caos são nossos inimigos da extrema-direita, não nós. Os principais contingentes da esquerda continuam obcecados com o pleito de outubro, como se eleger presidente fosse conduzir a classe operária ao paraíso num país em que o poder econômico destitui presidentes quando quer e como quer.
Não poderiam faltar os pescadores em águas turvas
Então, insisto: é hora de prepararmos nossos efetivos para podermos, adiante, travar confrontos com a mínima possibilidade de nos sairmos bem. Há muito tempo deixamos de fazer a lição de casa como se deve, então ela está bem atrasada agora.  Enquanto não dispusermos de tais efetivos, será temerário e irresponsável estimularmos confrontos.
Ainda mais se for para metermos o nariz no que não é da nossa conta, pois, como já destaquei acima e como bem define o Elio Gaspari na sua coluna dominical, o que está acontecendo não é uma greve de caminhoneiros, mas sim uma doce parceria dos ditos cujos com os grandes empresários do setor de transporte de cargas...
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial). Tem um ativo blog com esse mesmo título.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.
 
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