A busca por um padrão de software para os carros do futuro está a todo vapor, e empresas que cruzarem a linha de chegada primeiro deverão ter enormes lucros. Montadoras como BMW e Volkswagen tentam não ficar para trás.
Por Redação, com DW – de Nova York
Ao comprar um carro convencional hoje em dia, você tem mais ou menos certeza de que não haverá grandes mudanças para fazer nele durante um bom tempo. Mas, em um futuro não tão distante, pode ser que o seu veículo precise passar por uma revisão a cada três meses, diz Claus Gruber, especialista em software automotivo da consultoria Strategy&.
“É provável que você receba atualizações de software constantes sobre os recursos funcionais e de segurança do seu carro, mais ou menos como acontece nos smartphones e laptops hoje”, disse à agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW) .
Gruber é engenheiro e coautor de um estudo da Strategy&, a unidade de consultoria em negócios e estratégia da PricewaterhouseCoopers (PwC). A pesquisa aborda os principais desafios encontrados pelas montadoras globais à medida que o mercado se move em direção a um futuro dominado por soluções tecnológicas baseadas em TI.
A empresa prevê que os custos de desenvolvimento de software das montadoras dobrem nos próximos dez anos. As despesas com soluções de direção autônoma são previstas como as mais caras, representando cerca de 45% dos custos totais.
O automóvel do futuro será movido a bateria, conectado a redes e “inteligente” em termos de direção autônoma, concluiu o estudo. Para completar, haverá os recursos de entretenimento digital integrado e de mobilidade compartilhada, que também exigirão uma poderosa tecnologia de computação.
Domando a selva eletrônica
Dispositivos eletrônicos e de software não são, evidentemente, novidade alguma para a geração de carros mais moderna. Mas os dispositivos encontrados no mercado atualmente são soluções básicas. Eles monitoram de forma independente o desempenho do motor e do ar-condicionado, ou garantem que as janelas se abram quando você pressiona um botão.
Nos veículos futuros, essas tarefas serão processadas de modo central por algo chamado de controlador de domínio – um computador central poderoso o suficiente para supervisionar todos os diferentes dispositivos e seus funcionamentos.
– O computador central vai se tornar o cérebro do carro, pois vai ser o encarregado de operar e controlar tudo – prevê Gruber, acrescentando que o software será atualizado “pelo ar”, isto é, por meio de redes móveis 5G, como no caso dos smartphones.
Nova cultura automotiva em formação
Gruber acredita que as grandes mudanças tecnológicas que estão por vir irão, inevitavelmente, transformar a cultura corporativa das montadoras. Não será mais suficiente construir veículos perfeitamente projetados e de alta qualidade mecânica.
– Cada vez mais funções do carro serão assumidas pelo software. Os fabricantes de automóveis vão se tornar, basicamente, fabricantes de software também. Isso gera uma mudança na cultura corporativa, porque o produto é diferente.
Se alguma vez você já se assustou porque a atualização mais recente do seu celular não funcionou direito, você consegue ter uma vaga ideia dos desafios que os fabricantes de veículos enfrentam no mercado de soluções digitais enquanto projetam carros.
Um software com problemas em um automóvel pode matar pessoas. Por isso, ele deve ser seguro e robusto. Gruber afirma que o caminho para a segurança só pode ser trilhado através de uma colaboração estreita entre as duas indústrias.
– O mercado automobilístico e seus fornecedores precisam formar alianças com empresas de tecnologia para que seus produtos atendam a padrões elevados de qualidade e segurança – diz ele.
Como resultado dessas alianças, Gruber espera que, eventualmente, dois ou três sistemas operacionais sejam desenvolvidos e utilizados pela maioria das montadoras do mundo.
– Nós prevemos esse cenário com base nos computadores, que funcionam com três sistemas operacionais diferentes. No caso dos smartphones, são apenas dois sistemas – comenta.
Nova fonte de renda para uma indústria antiga
A corrida para criar um padrão de software na indústria automobilística já está a todo vapor. A tendência é que as empresas que cruzarem a linha de chegada primeiro tenham lucros enormes, provavelmente na faixa das margens de 50% normalmente obtidas pelas chamadas empresas de Big Tech, as gigantes da tecnologia que dominam o mercado, como Amazon, Apple, Microsoft, Facebook e Alphabet (Google).
A Tesla, pioneira em carros elétricos nos Estados Unidos, por exemplo, anunciou que licenciará o seu software, chamado AutoPilot, usado para direção semiautônoma. A empresa pretende vende-lo até mesmo para montadoras rivais. A iniciativa pode ter sido peça-chave para o recente aumento sem precedentes de capitalização da Tesla na bolsa de valores. Em fevereiro, a empresa valia cerca de 640 bilhões de dólares (cerca de R$ 3,6 trilhões), três vezes o valor mercado combinado das alemãs Daimler, BMW e Volkswagen.
A revista de negócios alemã Wirtschaftswoche perguntou recentemente em uma manchete se a Alemanha, referência na fabricação de automóveis, será “reduzida à bancada de trabalho das empresas de software”. O cenário pessimista foi levantado em meio à crescente preocupação de que gigantes da tecnologia, como a Apple e a Google, entrarão no já saturado mercado automotivo, com todo o seu dinheiro e experiência em desenvolvimento de softwares.
Montadoras alemãs reagem
Enquanto isso, as principais fabricantes de automóveis da Alemanha estão preparando seus próprios pacotes de software, na esperança de definir o padrão da indústria do futuro. A BMW, por exemplo, lançou um sistema operacional chamado BMW OS 7, instalado em seus veículos novos desde 2018.
A Daimler, fabricante da Mercedes-Benz, está nos estágios finais de desenvolvimento de sua plataforma MB.OS, enquanto a Volkswagen estabeleceu recentemente uma unidade de software própria, com o objetivo de lançar um sistema operacional chamado VW.OS. A Volkswagen trabalha em parceria com a Microsoft no projeto, que também inclui um software chamado Automotive Cloud.
Gruber enfatiza que a transformação da indústria automobilística exigirá a implementação rápida de soluções digitais, assim como recurso suficientes para sustentar financeiramente o ritmo das mudanças. Nesse sentido, ele defende que alianças e cooperações podem ser benéficas.
– Precisamos agrupar recursos e talento humano nesta empreitada. É por isso que recomendo que os fabricantes de automóveis de toda a indústria trabalhem juntos e formem alianças – ressalta.
Para Gruber, qualquer montadora que optar por seguir sozinha nessa transformação estará fadada ao fracasso, porque o território desconhecido a ser explorado só poderá ser cruzado se todos estiverem a bordo juntos.