Quilômetros de favelas, homens feridos, mulheres estupradas e crianças famintas se amontoam na periferia das três grandes cidades da região de Darfur, oeste do Sudão, onde uma das “guerras esquecidas” da África pode se tornar o primeiro grande desastre humanitário do século XXI.
“Essa é a imagem que posso relatar. Não é exagerado dizer que é a maior tragédia desde a crise de Ruanda”, assegura Esther López Torres, uma das delegadas no Sudão da Cruz Vermelha espanhola.
Ela trabalha há mais de um ano no Sudão e chegou dias atrás à cidade de Yeneina, capital de Darfur ocidental, perto da fronteira com o Chade..
“Há um ano e meio os níveis de violência são enormes. Há centenas de mulheres e meninas estupradas. É um processo de marcha à ré muito triste. Anos de trabalho aqui que se esvaem com a guerra”, afirma López Torres.
“Nos meios de comunicação não houve repercussão da magnitude da tragédia” nesta zona perdida do planeta, se queixa.
A “guerra esquecida” de Darfur começou há um ano e meio, com os conflitos entre rebeldes do Movimento de Libertação do Sudão (MLS) e do Movimento pela Justiça e a Igualdade (MJI) com milícias pró-governamentais e soldados do exército de Cartum (capital do Sudão).
As tribos africanas, apoiadas por organizações em defesa dos direitos humanos, acusam o regime islâmico do presidente sudanês Omar Hassan al-Bachir de armar milicianos árabes conhecidos como “Janjaweed” e motivá-los a perpetrar uma “limpeza étnica” na região, uma das mais pobres do país.
No último massacre conhecido, os “Janjaweed” montados em seus camelos mataram no último sábado quase 60 pessoas perto da cidade de Nyala, capital da província sul de Darfur, onde agora acontecem os combates mais ferozes.
“O massacre aconteceu depois que o presidente Al-Bachir se reuniu com os líderes ‘Janjaweed’ e lhes ordenou intensificar seus ataques antes que as equipes de vigilância do cessar-fogo cheguem na zona”, denunciou ontem à noite Meny Arku Menawy, um dos líderes do MLS.
“Ainda assim, a situação de segurança melhorou um pouco desde o cessar-fogo pactuado em abril. A violência mais inflamada foi em janeiro e fevereiro. Mas ainda há muitos milicianos fora de controle. Atacam os refugiados e lhes roubam o gado” que é sua riqueza, explicava hoje López Torres.
A espanhola ressaltou que a necessidade mais urgente a ser suprida pela comunidade internacional é “garantir a segurança na zona” e pressionar o governo de Cartum para pacificar a região.
“A população migrou de um lado para o outro da região fugindo dos ataques. Agora se concentram ao redor das cidades em enormes bairros levantados com lonas de plástico e com o que salvaram de suas casas arrasadas”, descreve a delegada da Cruz Vermelha.
Segundo números da organização, por Darfur vagam cerca de 850 mil deslocados internos, enquanto nos campos de refugiados instalados no vizinho Chade há quase 150 mil pessoas, em sua maioria mulheres e crianças.
“Sobra apenas cereal. A guerra impediu a colheita, as reservas de alimentos estão escassas, os campos queimados e começaram a se espalhar doenças como o sarampo”, detalha López Torres.
No entanto, o maior perigo se concentra no complicado acesso à água potável, além da escassez de saneamento, seca dos rios e a contaminação de água pela putrefação de animais mortos.
“Estamos em uma corrida contra o relógio para melhorar o saneamento, construir latrinas e manter limpa a maior quantidade possível de água potável”, explica.
Com este objetivo, a Cruz Vermelha espanhola – que mantém cinco campos de refugiados no Chade – está envolvida em um projeto de emergência destinado a habilitar mais de seis mil vasos sanitários para 120 mil pessoas antes do início da temporada de chuvas.
“As chuvas torrenciais agravarão ainda mais a crise porque os grupos de população que puderem se refugiar ficarão isolados ao longo da fronteira”, adv