O descaso ocidental com relação ao futuro de Kosovo é um das principais causas para a explosão da violência nesse protetorado da ONU, segundo ex-representantes internacionais nos Bálcãs.
Ao recuar na questão da independência, sem oferecer segurança e o estado de direito, a ONU e a Otan deixaram que Kosovo se transformasse novamente em um barril de pólvora, aceso esta semana por extremistas albaneses, da mesma forma como aconteceu em 1999 pelos sérvios, segundo eles.
Kosovo foi deixado em segundo plano desde que a ONU e a Otan assumiram o controle da província sérvia, depois de uma campanha militar para conter a opressão de Belgrado sobre a maioria étnica albanesa.
Agora, segundo os ex-representantes, é importante que a região receba urgente atenção internacional. “Passos decisivos devem ser dados agora. A clareza sobre qual é o status de Kosovo precisa ser determinada. Esta é a obrigação da ONU e da comunidade internacional”, disse Wolfgang Petritsch, ex-alto-representante na Bósnia.
O diplomata austríaco disse ao jornal Der Standard, de seu país, que não ficou surpreso com os casos de confrontos contra tropas de paz, assassinatos, incêndios criminosos e limpeza étnica de sérvios, incidentes que já mataram 28 pessoas e feriram 600 civis e 100 policiais.
Richard Holbrooke, ex-enviado dos EUA para os Bálcãs, disse o mesmo. “Eu previ esses fatos em 2003”, afirmou ele ao jornal Zeri, de Kosovo. Para ele, foi um grande erro adiar a decisão sobre o status final da província.
Holbrooke disse que os Estados Unidos, a União Européia e a ONU não conseguiram impor uma liderança forte e que, quando a paz for restaurada, deve-se discutir imediatamente se Kosovo será uma parte autônoma da Sérvia ou um país independente — proposta defendida pelos albaneses e rejeitada pelos sérvios.
O Ocidente insiste em não redefinir fronteiras nos Bálcãs para criar Estados mono-étnicos, mas nunca conseguiu substituir o ódio racial pela tolerância, para não falar na reconciliação.
O ex-mediador sueco Carl Bildt disse que os princípios multi-étnicos do Ocidente estão sob suspeita. “Claramente, a Otan não estava à altura da tarefa de proteger as minorias. Ela fracassou.”
Enquanto a Otan reforça seu contingente de 18 mil soldados com mais 2.000, o general Klaus Reinhardt, comandante da operação, admitiu que militares não podem curar Kosovo.
“Muito pouco foi feito para eliminar as causas”, disse ele a uma rádio alemã. Segundo ele, é preciso que a solução política funcione para que haja privatizações, investimentos externos e novos empregos.
A violência envolve principalmente jovens desempregados. O desemprego em Kosovo chega a 50 por cento. “Manter o status político indefinido levou a uma incrível frustração, que então resulta em violência”, disse o general.
Para o editor kosovar Veton Surroi, um moderado, a violência foi “claramente conduzida e organizada” para atingir os sérvios que vivem em encraves vulneráveis no centro de Kosovo e dirigir o ódio dos albaneses contra a ONU e a Otan.
O assunto da divisão da província em uma área albanesa e outra sérvia, antes um tabu, agora está sendo discutido, e segundo diplomatas os extremistas querem criar um fato consumado.
“Este risco sempre existiu, apesar do fato de que nós e a comunidade internacional tenhamos dito ser contra a partição e que não vamos aceitar essa solução”, disse o primeiro-ministro albanês de Kosovo, Bajram Rexhepi. Ele acusou o primeiro-ministro sérvio, Vojislav Kostunica, de inflamar a questão ao propor a divisão de Kosovo em cantões.
Na atmosfera atual, esses cantões teriam de ter cercas de arame farpado nas fronteiras. Por outro lado, o Ocidente teme que a independência total crie uma reação em cadeia que levaria a aspirações separatistas dos albaneses da Macedônia, de Montenegro e do sul da Sérvia.