Por Gilberto de Souza – do Rio de Janeiro
O elo forjado em titânio entre o alto oficialato das Forças Armadas e a garantia do Estado democrático, atualmente, significa a diferença entre uma aventura golpista por parte da ultradireita e a manutenção do governo legalmente constituído, mais de centro do que de esquerda, da presidenta Dilma Rousseff. Ainda assim, é a velha exploração do trabalhador que assegura a firme ligação entre comandantes militares, os principais líderes do empresariado e as forças políticas que obedecem à linha de Washington. Esse conjunto de interesses conserva intacto, por enquanto, o selo de uma intervenção armada no possível conflito civil que resultaria do golpe de Estado articulado no Congresso, com apoio nem tão velado assim de parcelas substantivas do Judiciário.
No arcabouço da crise política instalada após as eleições, ano passado, pela birra da parcela mais conservadora da população – iludida pela mídia cartelizada e submissa àqueles mesmos tenentes do capitalismo que se relacionam tão bem com generais e similares – ao não aceitar o resultado das urnas, reside a imposição de uma reforma fiscal que restaure o lucro dos investidores e garanta a continuidade dos contratos leoninos, ora em vigor. Havia uma pequena chance, até o início deste ano, de o Brasil, com apoio dos BRICS, incentivar a criação de uma nova estrutura financeira mundial. A aproximação de Dilma aos interesses de Wall Street, declarada na recente visita da presidenta ao colega yankee, no entanto, ajudou a esfriar o movimento do grupo afligido por instabilidades nas fronteiras da Rússia e ajustes sensíveis na economia chinesa.
Parece crível que a retomada nas relações com os EUA seja um passo estratégico da presidenta Dilma para o contorno das dificuldades em lidar com a direita nacional. O afago do Planalto à Casa Branca significou um argumento a menos na lista de motivos que levaram o Tea Party tupiniquim a pedir o fim do governo petista, sob a alegação de que o comunismo o havia tomado de assalto. Trata-se de uma decisão que custará aos trabalhadores mais suor e lágrimas, mas serve para reduzir bastante a pressão interna, exercida por hordas de entreguistas e pusilânimes em geral.
Desde Março deste ano, quando descontentes de indistintos matizes ganharam as ruas, meio sem rumo, vestidos de verdeamarelo, a política do Planalto foi na direção de acalmar os ânimos da matriz, em Nova York, e da filial, na Avenida Paulista. Aparentemente, conseguiu. Os donos dos principais bancos do país, que sustentam abertamente a oposição, foram os últimos a declarar apoio ao sistema democrático, em sinal claro de uma trégua, ainda que frágil, na luta contra o avanço das forças populares. E a esquerda brasileira, que agora parece ter percebido o risco de um grave retrocesso histórico, voltou a ganhar as ruas, a exemplo das manifestações do último dia 20.
Com a desarticulação dos principais movimentos de extrema direita, começa a minguar o esforço além da conta daqueles que pregam o impedimento da presidenta. No domingo passado, o que se viu foi o espetáculo medonho de uma elite branca, rica e fascista, espumando de ódio contra a maioria absoluta dos trabalhadores, estudantes e militantes dos movimentos sociais brasileiros. Mesmo as TVs, revistas e jornais que servem para embrulhar ‘coxinhas’, embora ainda contem com um fôlego extra no beneplácito da publicidade estatal, afundam nas ondas cada vez maiores do tsunami em que se transformou a internet, com desemprego em massa nas redações.
De volta aos quartéis, o elo entre o aço dos fuzis e a singeleza do voto é elaborado em metal leve, durável, resistente à corrosão. Difícil quebrá-lo. Traduz-se no compromisso da nata em manter o comando da tropa, configurada segundo os mandamentos militares que asseguram ao empresariado a perenidade do sistema capitalista, a sacrossanta propriedade privada, a solidez dos lucros e a manutenção da paz entre os explorados.
Ocorre, porém, que uma pequena impureza na forja, mínima que seja, será suficiente para enfraquecer a ligação entre a caserna e os donos da riqueza. Basta a faísca da cidadania para minar essa corrente de comando; um micrograma que seja do carbono encontrado nas faixas e bandeiras erguidas por um país liberto do domínio imperialista, com terra para quem nela trabalha e liberdade ao desenvolvimento de uma pátria justa e soberana.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.