Dilma, presidenta de coração valente, não deve ceder ao lobby das finanças

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Publicado quarta-feira, 26 de novembro de 2014 as 13:37, por: CdB
Reeleição de Dilma neste domingo foi a vitória mais apertada do período democrático
Reeleição de Dilma foi a vitória mais apertada do período democrático

Esta semana é crucial para a presidenta Dilma. Ela deve escolher as pessoas competentes e idôneas para governar o Brasil neste segundo mandato.

Com um poder legislativo de tendência mais conservadora, e, com uma base aliada mais fragilizada, a tarefa que lhe incumbe é por deveras complicada. Pode-se dizer que, nesta campanha, o comportamento da candidata Dilma Rousself foi de uma mulher de coração valente, bem mais à esquerda do que a Dilma presidenta. Esse comportamento combativo, face aos seus adversários, levou à mobilização de uma militância que andava decepcionada com seu governo.

Os testemunhos foram inúmeros, bastava acessar as redes sociais e ler a imprensa alternativa. Muitos reclamavam da falta de reatividade da presidenta Dilma face aos ataques da oposição, da falta de comunicação sobre os resultados positivos dos projetos e ações governamentais. Além disso, se notava uma desilusão política quanto ao não cumprimento das reformas estruturais, dentre elas, a reforma do sistema político.

Outras questões abordadas que causaram frustrações: a reforma agrária, a pluralidade dos meios de comunicação, a política ambiental e indígena. Umas deixaram a desejar outras alcançaram poucos resultados. Daí as organizações sociais, os intelectuais, artistas e militantes de esquerda que se mobilizaram para obter a vitoria de Dilma, elas e eles esperam desta vez não serem confrontados com mais uma desilusão política.

Por esta razão a presidenta Dilma na certa está vivendo seu maior dilema político para a definição da equipe. A base aliada da qual a esquerda é minoritária disputa a composição de seu governo principalmente na área econômica. O lobby dos setores financeiros parece intenso.

Vale ressaltar que a governabilidade democrática está cada vez mais distorcida pelo poder econômico e financeiro. Mais do que nunca, o poder econômico tenta se apropriar do poder político, enquanto os cidadãos parecem estar quase inteiramente despojados de suas defesas democráticas e de sua capacidade de imprimir à economia os seus interesses e demandas, incompatíveis com aquelas do modelo neoliberal.

A crença sem limitações de grande parte da elite brasileira e dos setores econômicos nas virtudes do neoliberalismo, na verdade, leva à incapacidade da classe política de reagir diante das crises econômicas, financeiras e ambientais que são planetárias. A presidenta Dilma enfrentou com determinação o debate com seus adversários que pregavam uma política mais neoliberal e uma menor presença do Estado na coordenação e regulação da política econômica.

Por esta razão, a expectativa é grande quanto à definição da nova equipe governamental da presidenta Dilma. Espera-se que a formação do novo governo não que atenda somente os ditames do mercado. Aliás, os nomes prediletos para assumir o comando da economia brasileira têm sido alvo de especulação há mais de uma semana. Já se pode perceber o forte poder de pressão dos rentistas e dos aliados da grande mídia brasileira. Eles assumem o embate político na decisão da equipe econômica até parece uma forma de recompensa por ter perdido as eleições.

A presidenta Dilma, enquanto economista, deveria revitalizar o pluralismo no pensamento econômico e restabelecer o direito de liberdade para definir outros princípios fora do modelo dominante (neoliberal). Não é utópico imaginar que uma economia pode ajudar os seres humanos a escolher o seu destino, em vez de sofrer sob sua submissão. Todavia, não temos sido capazes de transmitir essas mensagens para os nossos cidadãos. Na verdade, a mídia convenceu a opinião pública que a grande maioria dos economistas adere ao credo neoliberal e lhe dão uma legitimidade intelectual como o um único modelo global viável.

Vimos, assim, que um pensamento econômico único pode exercer sua dominação, não porque é a realidade dominante, mas porque ocupa o vazio deixado pela comunidade de economistas defensores de outras correntes. O Brasil durante uma década, apesar da pressão mundial do modelo neoliberal, demonstrou que a economia podia ser considerada como um meio e não como um fim e que a única finalidade legítima do desenvolvimento econômico é a satisfação das necessidades humanas.

A economia quando é voltada para atender somente ao mercado e ao capital especulativo provoca crises estruturais que desorganiza, por completo, o desenvolvimento dos países. Sabe-se, pela experiência das crises econômicas, que um mercado livre, sem regulação política, é o caos.  Nem todos os empresários preferem a guerra econômica, muitos preferem uma competição saudável.  O custo econômico, social e ambiental do laissez-faire obriga os estados a reinventar o futuro de outra forma. Somente uma ampla reflexão sobre um novo modelo de economia, dentro de uma visão mais pluralista, poderá nos permitir a superação do impasse atual, dando-nos a pensar ferramentas para compreender, plenamente, as complexas realidades do século XXI e encontrar soluções adequadas.

Urge que o Brasil, neste segundo governo de Dilma, continue na construção de alternativas ao modelo neoliberal que possam seguir melhorando a qualidade de vida dos homens e das mulheres, sobretudo a dos mais pobres. Deve-se atender não apenas aqueles que buscam o consumo do mercado, mas todas as aspirações que vão além de qualquer valor monetário: educação, saúde, lazer, qualidade ambiental, dignidade, paz, segurança, liberdade, o bem-estar das gerações futuras, etc. Estas aspirações humanas contam também ao número de critérios essenciais e inseparáveis para avaliar a eficácia global de um desenvolvimento econômico inclusivo. Tendo em vista que um sistema econômico eficaz não é somente aquele que garante que não haja desperdício de recursos na produção de bens, mas também que satisfaz melhor a todas as exigências da humanidade, começando com a exigência de justiça.

A presidenta Dilma deve seguir o que diz o sociólogo francês Edgar Morin que hoje “tornou-se vital pensar de forma diferente”.

Se ela atende somente os ditames das bolsas de valores e cede à pressão do lobby da economia financeira será a política proposta por Aécio que vai sair vitoriosa apesar do povo ter escolhido Dilma. As forças progressistas que votaram em Dilma contra o retrocesso exigem uma nova política.

A presidenta Dilma, como economista e com experiência acumulada de governar em período de crise, já havia demonstrado que o verdadeiro progresso da ciência econômica se mede por sua capacidade de expandir oportunidades, para que homens e mulheres possam viver com mais dignidade. Ela tem consciência que a ciência econômica não surgiu para ser desumana, obcecada com as únicas virtudes mercadológicas de lucros imediatos. Daí durante a campanha ela propor outras vias para um desenvolvimento mais humano, justo e sustentável.

A política é feita de interesses contraditórios. Daí, cabe a cada político entender as contradições para agir em conseqüência. Hoje, o grande desafio de Dilma é restaurar um verdadeiro Estado democrático, amparado pela cidadania; além de continuar na luta contra a corrupção que atinge todas as esferas do poder.

Para isto a presidenta Dilma deverá realizar, com a máxima urgência, o plebiscito para a Reforma Política reformulando a constituição. Outro desafio é inovar o modo de desenvolvimento, dentro de uma visão não fragmentada da realidade, que tenha sustentabilidade ambiental, social, política, cultural, e econômica. Isto exige mudança de atitude, mudança no modo de fazer política. Exige também um sistema de educação compatível com este desafio.

A presidenta Dilma tem hoje apoio popular para por em pratica uma nova Política.

Marilza de Melo Foucher é economista, jornalista e correspondente do Correio do Brasil em Paris.