Diplomacia brasileira, hoje, ‘é irracional e desastrada’, afirma ex-chanceler Celso Amorim

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Publicado Domingo, 10 de Novembro de 2019 às 13:50, por: CdB

O ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim considera que o país nunca teve uma posição diplomática tão irracional e desastrada como a adotada pelo atual presidente, Jair Bolsonaro.

 
Por Redação, com DW - de São Paulo
  Ex-ministro das Relações Exteriores no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o diplomata Celson Amorim analisa o comportamento de Bolsonaro, classificando-o como ainda mais incoerente e destrutivo do que o de Trump:
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Amorim foi o chanceler brasileiro durante o governo do presidente Lula
— Nem no regime militar vi nada parecido — afirmou, em entrevista à agência portuguesa de notícias Lusa. Nada igual O ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim considera que o país nunca teve uma posição diplomática tão irracional e desastrada como a adotada pelo atual presidente, Jair Bolsonaro. — Hoje é possível descrever a diplomacia brasileira, mas não é possível entender. Há uma total ignorância (dentro do governo) de como funcionam as relações internacionais. Fui diplomata, incluindo o período em que fui ministro, durante mais de 50 anos e neste tempo todo nunca vi coisa igual — afirmou Amorim. Ainda segundo o ex-embaixador, ”não há registro de uma ação diplomática tão desastrada, tão irracional, que só cria inimigos, como a de agora (…) Nem no regime militar vi nada parecido, algo tão pouco racional como é a política externa do governo Bolsonaro”. Diplomacia Amorim ingressou no Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores, na década de 1960 e trabalhou em diversas representações do Brasil no exterior. Foi ministro das Relações Exteriores nas presidências de Itamar Franco (1993-94) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10), e da Defesa na gestão de Dilma Rousseff (2011-14). Analisando a política externa de Bolsonaro, que no início de novembro completou 300 dias à frente do governo brasileiro, o ex-ministro disse acreditar que a diplomacia do país tem sido prejudicada pelas posições ideológicas do chefe de Estado e do atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Amorim citou declarações sobre a Argentina e a França para defender o seu ponto de vista: — O presidente Bolsonaro disse que não iria à Argentina [para a posse do novo presidente, Alberto Fernández] e o ministro das Relações Exteriores disse que as forças do mal estavam felizes com o resultado da eleição na Argentina. Alinhamento De acordo com Celso Amorim, ”já o presidente dos Estados Unidos, a quem Bolsonaro jura total fidelidade, cumprimentou o novo presidente argentino”. — Bolsonaro optou por um alinhamento automático com os Estados Unidos, mas, neste caso, vê-se que houve um certo pragmatismo deles (norte-americanos), enquanto no Brasil houve uma reação ideológica sem limites — criticou. O político de 77 anos argumenta que "Donald Trump provavelmente não gostou da eleição do Fernández, mas sabe que as relações são entre Estados”: — Se a Argentina é importante para os EUA, imagina para o Brasil. Ambos os países integram o bloco de livre comércio Mercosul juntamente com o Paraguai e Uruguai. Além disso, a Argentina é um dos principais destinos das exportações das manufaturas do Brasil e seu terceiro parceiro comercial. Armadilhas O chefe da diplomacia brasileira mencionou também as desavenças entre Bolsonaro e seu homólogo francês, Emmanuel Macron, que não teriam só prejudicado a imagem do país, como revelado a incoerência da atual política externa nacional. — Não sou defensor do acordo do Mercosul com a União Europeia tal como foi feito, mas o governo festejou quando foi assinado, e pouco tempo depois tratou o presidente e o ministro das Relações Exteriores da França da maneira que tratou — pontuou. Amorim se referia às declarações de Bolsonaro sobre Macron, quando, devido ao aumento do número de incêndios na floresta amazônica, o chefe de Estado francês colocou em questão o acordo Mercosul-UE, concluído em 28 de junho após mais de 20 anos de negociações. — Pareceu que o Brasil não queria o acordo (…) Ecoando as palavras do secretário de Comércio norte-norte-americano (Wilbur Ross), que esteve no Brasil em julho, dias antes da visita do ministro dos Negócios Estrangeiros da França (Jean-Yves Le Drian), Bolsonaro declarou que havia armadilhas no acordo do Mercosul com a UE. Isso mostra que não há o mínimo de coerência ou um elemento racional na política externa — analisou. Interesses Em meio ao tensionamento das relações diplomáticas franco-brasileiras, Bolsonaro recusou-se receber Le Drian em Brasília, alegando falta de tempo. Na hora em que a reunião deveria ocorrer, contudo, ele fez uma transmissão ao vivo no Facebook, para falar com seus apoiadores enquanto cortava o cabelo. Amorim vê o perigo de que tais episódios tornarem o Brasil um aliado inconveniente até mesmo para os EUA. — Eu acho – isto ainda precisa se confirmar – que o Brasil tornou-se um aliado incômodo, porque estas atitudes não são boas para o próprio Trump. Ele já deu demonstrações disso ao não apoiar a candidatura do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ao manter a proibição da importação das carnes (fabricadas no Brasil) e na resposta fria que deu ao encontrar-se com Bolsonaro nos corredores da Organização das Nações Unidas — sublinhou. Amorim avalia, ainda, que ”por mais ideologicamente à direita que esteja o governo Trump, ele não perdeu a noção do interesse norte-americano – nós perdemos”. — Não há explicação para uma relação com a Argentina do tipo que está sendo feita, e não há explicação para o governo brasileiro festejar um acordo do Mercosul com a União Europeia e, ao mesmo tempo, tratar mal dirigentes europeus — concluiu.
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