Decisão de apelar às Nações Unidas para garantir a candidatura de Lula, segundo analistas políticos ouvidos pela reportagem do Correio do Brasil, esbarra nos prazos do Judiciário.
Por Redação – de São Paulo
Candidato do PDT à Presidência da República, o ex-governador Ciro Gomes inaugurou uma nova sintonia no discurso em relação ao PT. Dividida, a legenda corre o risco de, simplesmente, não participar das eleições, caso o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não seja substituído, na urna eletrônica, por seu vice na chapa, Fernando Haddad. O prazo termina na próxima nesta terça-feira.

A decisão de apelar às Nações Unidas para garantir a candidatura de Lula, segundo analistas políticos ouvidos pela reportagem do Correio do Brasil, esbarra nos prazos do Judiciário brasileiro.
— Estão esticando a corda até um ponto do qual pode não haver retorno — acrescentou um dos parlamentares petistas favorável à imediata substituição de Lula por Haddad, na campanha.
A decisão, segundo afirmou o ex-ministro José Dirceu, em entrevista ao jornalista Paulo Henrique Amorim, a decisão de manter Lula candidato é muito mais política do que eleitoral, o que sugere até a possibilidade de o PT não ter candidato algum, em outubro deste ano. Caso isso ocorra, o maior beneficiado seria o pedetista Ciro Gomes.
Denuncismo
Diante o atual quadro de indecisão, Gomes achou por bem usar tintas mais leves ao se referir ao concorrente petista. Em uma sabatina, nesta manhã, o ex-governador cearense afirmou que a sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é “injusta”. E acrescentou:
— Este país não vai se sair bem se nós começarmos a achar conveniente agredir, insultar e prender quem a gente não gosta politicamente.
Para Ciro Gomes, o alerta vale também para jornalistas da imprensa tradicional, que fazem parte da mesma “raiz” do denuncismo que assola a política do país. Ele era interpelado, no evento, por repórteres ligados à mídia conservadora. Entre os entrevistadores, a jornalista Eliane Cantanhêde, do diário conservador paulistano O Estado de S. Paulo.
Ao ser questionado se Lula deveria ser candidato, em linha com a chance de se beneficiar do legado político do ex-presidente, Ciro afirmou que “não”. Segundo ele, o PT optou por reconhecer o “itinerário judicial”, recorrendo da sentença nas mesmas instâncias do Judiciário.
Mortadelas
Segundo afirmou, a Lei da Ficha Limpa seria “transparente e cristalina” em determinar a perda de direitos políticos para qualquer cidadão com condenação em segunda instância. As relações de aproximação e afastamento com Lula e o PT renderam os pontos mais quentes da entrevista.
Em outro momento, Ciro afirmou que “o Brasil está sob um golpe” de Estado – um soft golpe, à moda moderna – , que derrubou a ex-presidenta Dilma Rousseff. Em vez de reconhecer o “itinerário judicial”, Ciro sugeriu que Lula e o PT poderiam ter repudiado e denunciado o Judiciário, que “está organicamente no golpe, e poderiam ter pedido asilo em uma embaixada.
Ciro voltou a criticar a divisão “odienta” entre coxinhas e mortadelas – termos pejorativos que identificam militantes da direita e da esquerda, respectivamente –, que estaria paralisando o país, “cindindo famílias e amigos”, e clamou pela superação dessa cisão, mas não titubeou em escolher um lado na disputa.
— Tomo o lado dos mortadelas — pontuou.
Negação da política
Ele também afirmou que “a elite brasileira está produzindo” a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), que cumpre o papel de negar a política. Destacou ainda que o apoio ao candidato é “puxado por ricos, brancos e machos, o lado mais truculento e egoísta da sociedade”.
— Bolsonaro sabe que um em cada cinco brasileiros, mais ou menos, é homofóbico, é misógino, é contra cota para negros, tem horror a pobre, tem horror a mulato — disse.
Para o candidato do PDT, o presidenciável do PSL deveria ser confrontado sobre como resolver problemas do mundo real que envolvem reforma agrária, educação, entre outros temas que não podem ser tratados com a simplificação do lema “bandido bom é bandido morto”. Para ele, as intenções de voto em Bolsonaro, que aparece em segundo lugar nas pesquisas, representa um pit stop – espécie de parada técnica – e não deve se efetivar nas urnas.
— O povo brasileiro não cometerá esse suicídio coletivo — acredita.
‘Coisa para pobre’
Ao tratar dos temas econômicos e das condições para a reconstrução do país, o candidato do PDT afirmou que “o Brasil tem um inimigo: o rentismo”. Segundo ele, enquanto os trabalhadores enfrentam picos de desemprego, informalidade e desalento, e empresários da indústria e do comércio fecham os seus estabelecimentos em função da atual crise, os cinco maiores bancos do país auferiram lucros de R$ 41,6 bilhões no primeiro semestre deste ano.
— De onde é que está vindo todo esse dinheiro? É da saúde, que não é financiada, da educação, da segurança. Porque todo esse dinheiro vai pagar juros da dívida — disse Ciro. E acrescentou, afirmando que os maiores bancos do país realizam um “combinemos” e “assaltam” o poder público e a sociedade brasileira, contando com o silêncio da mídia tradicional.
Ele também criticou o “modo neoliberal de governar”. Seguindo essa lógica, para salvar uma vaca acometida por carrapatos optam por “meter uma bala” na cabeça do animal, sem levar em conta a perda em leite, queijo e crias que poderia gerar no futuro. Esse seria, por exemplo, o tratamento dispensado às empresas públicas supostamente acometidas por corrupção. Em vez de tratar os carrapatos, os neoliberais sugerem a sua privatização.
Ciro também disse que a “elite brasileira não aguenta coisa para pobre”, ao defender o seu projeto de refinanciamento das dívidas das pessoas que estão com o nome sujo. Segundo ele, nos últimos três anos, foram concedidos a “ricos e barões” mais de R$ 370 bilhões em renúncia de impostos, e “ninguém disse nada”.
Heranças
O candidato também diz ter a receita para acabar com o déficit público “num estalar de dedos”. Ele propõe a recriação do imposto sobre lucros e dividendos das empresas, que arrecadaria em torno de R$ 70 bilhões por ano, e “só o Brasil e a Estônia não cobram”. Outros R$ 30 bilhões anuais viriam de um imposto instituído sobre heranças acima de R$ 2 milhões.
Ele destacou que enquanto os Estados Unidos cobram 29% de imposto e em países da Europa chegam a até 40%, o Brasil cobra apenas 4% sobre o patrimônio recebido por herdeiros. A conta fecharia pondo fim às renuncias fiscais acima citadas.