Eleitor da Baixada se revolta com promessas não cumpridas de políticos

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Publicado segunda-feira, 11 de setembro de 2006 as 13:17, por: CdB

Nos primeiros metros da avenida principal, a Cacuia ainda parece mais um bairro pobre típico da Baixada Fluminense em época de campanha eleitoral. Placas de candidatos nos quintais e muros das casas sem reboco nem pintura, à frente de valas negras, com esgoto a céu aberto, e ruas sem pavimentação. Carros de som tocam jingles e repetem promessas em meio às provas de que os compromissos da campanha anterior ainda não foram cumpridos.

Mas, é só percorrer mais alguns metros na Estrada de Austin, via principal do bairro, e as faixas começam. “Políticos e candidatos, cuidado: eleitor esquecido e aborrecido. Não peça voto. Não daremos”,diz uma. “Candidatos e políticos: peça voto onde você não abandonou a população. Aqui não”, outra. “Quem pede voto e nunca veio no bairro é moleque”, mais outra.

Ao todo, são 22 faixas, espalhadas pela avenida. A iniciativa não é da associação de moradores, que, aliás, apóia um candidato a deputado estadual. Segundo a direção da entidade, ele vem conseguindo “trazer” obras para o bairro. Não é suficiente, mostram as faixas: “Cadê as creches, praças, escolas, médicos, remédios? Só mentiras e traição de todos”. Ou “Se você não fez nada em dois anos, peça voto no inferno. Aqui não, filho do cão”.

A idéia de afixar as faixas foi do administrador de empresas William Alves Bruno, 47 anos. Quem conhece a residência, ou vê o automóvel, as roupas, a fala de William poderia dizer que ele é um “típico” cidadão de classe média. Ele poderia, facilmente, passar por morador da Zona Sul carioca, mas diz viver na Cacuia há 20 anos.

Há várias eleições, William conta que tentava conscientizar a população local sobre a necessidade de ampliar a cobrança sobre os políticos.

– Você vai vendo tudo isso e vai se revoltando. Aqui, na hora da necessidade, não existe essa de classe social. As dificuldades ensinam a gente a ser solidário – diz ele.

Depois de tantos anos, porém, as faixas parecem ter acertado no ponto. A repercussão na imprensa do Rio foi grande, conta William. Agora, não só os moradores da Cacuia conseguiram iniciar uma negociação com a prefeitura do município para obter as obras que reivindicam, como o movimento está se espalhando por outros bairros da cidade.

Os moradores já fecharam a via principal do bairro, como protesto e, caso não sejam atendidos até 1o de outubro, data do primeiro turno das eleições, anunciam que vão fechar a Via Light, principal avenida de Nova Iguaçu. Ali, farão uma mobilização para que as pessoas deixem de votar.

– Ninguém quer brigar. Não somos rebeldes sem causa. Mas, já fomos enganados por muita gente, e queremos dar um basta nisso – diz William, que ressalta: o movimento evitará apoiar candidatos e partidos, para preservar a credibilidade.

A prioridade na Cacuia, segundo William, são as obras de saneamento, especialmente a recuperação de uma área de charco de cerca de 16 mil m² para onde corre o esgoto de boa parte das casas dos 30 mil moradores. Pavimentação, expansão das vagas na rede pública de ensino e creches são outras metas. A ausência do Estado é sentida até mesmo em suas expressões mais básicas: recentemente, o estuprador de uma menina de 7 anos foi linchado pelos moradores.

O irônico é que a prefeitura recebe royalties da Petrobrás por causa do oleoduto que corta a Cacuia: cerca de R$ 8 milhões por ano, segundo William:

– Isso tudo aqui pode ser um exemplo: a união do povo é uma arma contra o esquecimento dos políticos. Político no Brasil hoje só teme a mídia e a falta de voto.