O golden shower de Paulo Ipiranga

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Publicado Domingo, 10 de Março de 2019 às 14:26, por: CdB

Acabar com despesas obrigatórias e desvincular todas as receitas é, via um “orçamento base zero”, demolir definitivamente todo o edifício do Estado de Bem Estar inscrito na Constituição brasileira.

 
Por Artur Araújo - de São Paulo
  Em meio a longuíssima e tediosa entrevista ao Estadão deste domingo, com direito a manchete principal de capa na edição impressa, o czar da economia rentista lança alguns dejetos que podem gerar efeitos muito mais cataclísmicos e duradouros do que o momento pornógrafo público de seu chefe nominal.
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Paulo Guedes, o superministro de Bolsonaro, tem planos capciosos para a economia nacional
Fui recortando os trechos que me parecem mais impactantes e os comentando um a um. Virou um textão digno da chatice da entrevista, mas creio que permite, grosso modo, projetar dois cenários: ou o Dr. Ipiranga é um alucinado regido apenas por desejos e impulsos ou seus contratantes na banca avaliam que está na hora de “shock & awe”, com guerra aberta em múltiplos frontes, afogando as oposições (e até setores da própria base do governo) em um caudal de urina tóxica.

Plano B ou Plano A+?

“Em plena guerra para aprovar a reforma da Previdência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que o governo articula a tramitação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no Senado para mudar o chamado pacto federativo, acabando com as despesas obrigatórias e as vinculações orçamentárias.” Este é o “abre” da matéria, revelando a reativação do já divulgado Plano B de Ipiranga, que antes era ameaça caso a deforma das aposentadorias não fosse aprovada e que, agora, parece ser uma operação simultânea e estratégica. Acabar com despesas obrigatórias e desvincular todas as receitas é, via um “orçamento base zero”, demolir definitivamente todo o edifício do Estado de Bem Estar inscrito na Constituição brasileira, não deixando nem os alicerces. Não é pouca coisa não.


Cenouras em profusão

O banqueiro de investimentos compreende bem o papel das cenouras na captação de recursos de apoio. Isca 1: “Uma classe política que tem um orçamento da União de R$ 1,5 trilhão para alocar e supostamente está contente em sair com R$ 15 milhões para cada um, para favorecer suas bases eleitorais? Acho que esses caras estão fora da realidade. Se fosse um deputado na Alemanha, ele estava disputando R$ 1,5 trilhão, e não R$ 7,7 bilhões (R$ 15 milhões para cada um dos 513 deputados).” Um convite à farra geral, de encher olhos e coçar algibeiras até do mais monástico dos deputados e senadores. Sem obrigatoriedades e vinculações, estão escancaradas as portas para tenebrosas transações orçamentárias, revivendo aqui o que os estadunidenses, muito apropriadamente, denominam “pork barrel politics”, um refocilar generalizado na captura corporativista de recursos públicos.

Pacto federativo

Há também a Isca 2, para fazer salivar prefeitos e governadores. Explicita uma “antecipação de receitas com condicionantes” e não toca na liberação para endividamento em dólares, balão de ensaio que lançou há poucos dias atrás. Diz Paulo: “Os políticos vão entender que, em vez de discutir R$ 15 milhões ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão de orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados. (...) Pergunte à classe política se em algum lugar do mundo o sujeito é eleito para comandar 4% ou 100% do orçamento? Se a proposta é menos Brasília e mais Brasil, preciso do pacto federativo para fazer o dinheiro chegar lá. Todo mundo com quem a gente conversa está entendendo que o caminho é esse.” “(...) vamos lançar o pacto federativo já. Os governadores e os prefeitos, que estão todos quebrados, dizem ‘pelo amor de Deus, pelo amor de Deus, faz alguma coisa’. Eles estão devendo para o funcionalismo, para fornecedores. Não estão pagando dívidas. Está caótico o quadro financeiro de Estados e municípios. Isso significa que o timing político é já. Então, nós vamos mandar o pacto federativo também para o Congresso agora, mas pelo Senado.”

Ipiranga leu Naomi Klein. Gostou e quer aplicar

O ministro é tomado por furor de missionário de Átila: “É a desvinculação, a desindexação, a desobrigação e a descentralização dos recursos das receitas e das despesas. Isso chegou até a ser veiculado como plano B, caso não fosse aprovada a reforma da Previdência, lá atrás, mas são dois projetos diferentes. São dois projetos grandes e importantes. Um entrando pelo Senado, outro pela Câmara. Eu até achava que a gente iria segurar um pouco para fazer uma coisa de cada vez. Só que a situação político-financeira de Estados e municípios está pedindo isso já. A desvinculação eu quero total. Aí vamos ver quanto dá, mas vou tentar. Os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, as suas atribuições e os seus recursos. Eles são gestores públicos e sabem o desafio que têm. Hoje o cara está sentado lá numa prefeitura, no governo do Estado, vendo subir isso, subir aquilo, sendo obrigado a fazer isso, fazer aquilo, e percebendo que ele não manda nada. Eles têm de mudar isso, assumir o protagonismo.”

O porrete é sempre sócio da cenoura

“Tem de vir um balão de oxigênio, mas ele é condicionado às reformas em nível estadual e municipal”, revela o Torquemada das finanças públicas, ao recrutar em seu auxílio um Savonarola do anti-Estado: “Estamos chamando de Plano Mansueto (em referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida), que é um especialista nisso. É uma antecipação de receitas para quem fizer o ajuste. Por isso é que preciso desamarrar, desindexar, desvincular os orçamentos. Se você devolver o poder de decisão para os prefeitos e governadores, eles vão poder fazer o que é mais urgente para cada um.” Para quem já leu ou ouviu Mansueto, o que vem como condicionante é demissão de funcionalismo, desuniversalização de serviços e compulsão superavitária a qualquer custo social.

Quem manda nessa bagaça sou eu

Indagado se na deforma das aposentadorias prevalecerá a posição de J. Messias sobre idade mínima, a empáfia assoma: “É ele quem vota ou os 500 deputados?” Mais adiante, Levy é enquadrado sem disfarces: “O Joaquim Levy, no BNDES, por exemplo, tem de devolver R$ 126 bilhões para o Tesouro neste ano, sendo pelo menos a metade no primeiro semestre. Não sei se ele quer, mas vai ter de devolver. A mensagem para o BNDES é que ele tem de despedalar e ir para uma atuação qualitativa. Ele vai ajudar o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), refazendo a infraestrutura nacional com empréstimos internacionais e investimentos privados. O Levy vai ajudar também as privatizações e a reestruturar Estados e municípios com a venda de estatais.”

Momento bagre ensaboado

Os entrevistadores decidem injetar um pouco da realidade do povo na entrevista: “Onde entra o crescimento econômico? O PIB fechou 2018 com crescimento de apenas 1,1%. O que o governo está fazendo para alavancar o crescimento?” Mr. Ipiranga vem com cara de paisagem e palavrório de sargento: “O modelo acabou. Não existe alavanca. Você tem de fazer as reformas. Quer fazer o que a Dilma fez? Não tem mágica. Tem de fazer a coisa certa. Isso significa a classe política assumir suas responsabilidades orçamentárias. Não é ficar escondido atrás de um documento escrito há 30 anos e jogar a culpa nele. Como um político pode dizer que a culpa é da Constituição? Então, faça uma Proposta de Emenda Constitucional.” O Estadão insiste: “Tem muita gente que fala que o governo não está fazendo nada pelos pobres e a esquerda está deitando e rolando com isso.”. O ministro resvala: “A primeira coisa que estamos fazendo pelos pobres é assegurar todas as aposentadorias dos pobres, que iriam acabar com esse regime de privilégios. A segunda coisa que vamos fazer é dar um choque de emprego no País. Vamos reduzir e simplificar os impostos.”

UFA!!

Há mais, muito mais. Fica a critério da paciência e dedicação de cada um ler tudo, via link para a íntegra nos comentários Em aberto, pelo menos para mim, a pergunta inicial: esta chuva dourada no domingo é só arroubo megalô ou a posta em marcha de uma blitzkrieg definitiva visando o desmanche dos direitos, do Estado e da Nação? Artur Araújo é administrador hoteleiro, ex-diretor da Embratur; co-coordenador do Projeto Cresce Brasil da Federação Nacional dos Engenheiros e consultor em gestão pública e privada.
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