A constatação depois do acordo entre a União Européia e a Grécia, é essa – pressionado de todos os lados, “negociando com um revóver na têmpora”, o primeiro-ministro grego cedeu praticamente tudo às exigências alemãs, a tal ponto que seu país vai se tornar o parque de atrações para os europeus fazerem turismo.
No pacote das submissões, está a mais importante – a perda da soberania. Em outras palavras, a Grécia passa a ser controlada sob tutela pela União Européia, obrigada a cumprir todas as exigências, não sendo tolerado qualquer desvio do documento de rendição. A máquina compressora alemã funcionou e o líder rebelde Alexis Tsipras teve de engolir tudo quando dissera antes contra as exigências européias.
Porém, como alertam alguns jornais alemães, essa vitória da austeridade sobre um país em falência poderá ter efeitos negativos para a imagem da Alemanha no mundo e na própria União Européia. Angela Merkel terá de fazer muito esforço para escapar da figura de uma “rainha impiedosa e cruel”, criada por ela mesma nas negociações com Tsipras, marcadas pelo mau humor e exigências crescentes do seu ministro das Finanças Wolfgang Schaeuble, considerado por muitos como “o retrato de uma Alemanha sem coração”.
Para o jornal de centro-esquerda Süddeutsche Zeitung, a Alemanha de Merkel revive seu lado feio, avarento e sem coração, que se começava a esquecer. Segundo o jornal, cada centavo economizado pelos alemães e subtraído aos gregos irá custar muito mais nos próximos anos para melhorar a imagem alemã.
Embora o líder da extrema-esquerda francesa, Jean-Luc Mélenchon tenha saudado o acordo, pronunciou palavras ferinas durante as negociações, afirmando não haver comparação na situação de hoje com a Alemanha do passado em termos de ideologia, porém existe no governo alemão a mesma arrogância, capaz de destruir a Europa pela terceira vez.
Foi um bom acordo para a Grécia? O Parlamento grego deverá responder nesta quarta-feira, mas dentro do próprio partido de Tsipras, o Syriza, e para uma boa parte da esquerda européia, houve uma capitulação, em outras palavras a Grécia aceitou ficar nas mãos dos seus credores, dos bancos, do FMI, dos países fortes da União Européia, sem contrapartida.
Teria sido melhor uma saída da zona Euro? Difícil de avaliar as consequências porque seria toda a população grega colocada em situação de desespero, num país sem dinheiro para pagar as aposentadorias e os funcionários, capaz de provocar uma guerra civil.
Entretanto, foram esses mesmos bancos e credores intransigentes, como qualquer gerente de bairro, que estimularam o endividamento da Grécia, facilitando compras desnecessárias, incentivando as Olimpíadas (que o Brasil tome cuidado!) e forjando documentos falsos para permir o ingresso da Grécia na zona do Euro, para a qual não estava habilitada.
Dolorosa realidade, pois a criação da comunidade européia foi concebida e incentivada em termos de uma construção social, humana e solidária, hoje desviada para a defesa dos interesses financeiros, bancários, frutificação de capitais sem qualquer espaço para a proteção dos trabalhadores, dos desempregados e das camadas mais pobres da população.
O projeto criador da União Européia foi esquecido e posto de lado. Não se pode imaginar o que acontecerá com os gregos submetidos à uma aspiração de todos seus bens, mas pode-se imaginar não haver um longo futuro para essa Europa da austeridade e do capital, de costas para os problemas sociais que se acumulam.
O acordo abre caminho para a total privatização dos bens gregos, não serão mais possíveis as aposentadorias antecipadas e a idade para se aposentar sobe para 67 anos, os impostos sobre os bens de consumo aumentam para 23%, penalizando-se toda a população em lugar de se atingir apenas os mais ricos.
Havia, é certo, muito abuso, porém, o acordo não visa os ricos armadores cujas fortunas já fugiram para os paraísos fiscais e nem a igreja ortodoxa, proprietária de numerosos bens imóveis e liberada do pagamento de todo tipo de impostos.
Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, pela recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e rádios RFI e Deutsche Welle. Editor do Direto da Redação.