Lula lá... onde exatamente?

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Publicado Segunda, 18 de Dezembro de 2017 às 13:00, por: CdB

O PT já dava nítidas mostras de esgotamento durante a campanha presidencial de 2014. Nada tinha a propor que trouxesse esperanças ao povo e o impelisse a organizar-se para lutar por seus direitos. Apenas satanizava os adversários e até mentia sobre as intenções dos mesmos. Foi com uma pregação eminentemente negativa que conquistou sua vitória de Pirro.

Por Celso Lungaretti, de São Paulo:
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Lula vai ser candidato ou vai ser preso?
Demétrio Magnoli, um dos raros articulistas da grande imprensa que ainda merece ser lido pelos que perseguem lampejos de vida inteligente, faz uma análise exemplar do dilema brasileiro atual: 
 
  • tudo leva a crer que Lula mereça mesmo ser condenado pelo conjunto da obra (e que deveria é estar sendo, mais do que ninguém, repudiado pela esquerda, pois jamais houve tamanha promiscuidade de um partido dito progressista com o grande capital como durante seu reinado!);
  • mas, o processo por corrupção que, em termos de timing, poderia alijá-lo do próximo pleito é o mais discutível dos seis a que Lula responde.
Assim como outros jornalistas que não morrem de amores por Lula, Magnoli é contra uma decisão conveniente ao invés de uma decisão juridicamente consistente. De casuísmo em casuísmo, este país está levando a breca.

Não considero que, se Lula puder concorrer, sua vitória seja favas contadas. Muita água ainda vai rolar debaixo da ponte até outubro. Basta, p. ex., haver uma melhora econômica significativa (ainda que seja de fôlego curto, fadada a dissipar-se adiante) no 2º semestre de 2018 para os humores do povo mudarem, como tantas vezes já aconteceu no Brasil.
 
 
Mas, é à esquerda que me dirijo, pois é a ela que pertenço e o que realmente me interessa é a sina dos explorados.
Rendição incondicional ao inimigo
 
O PT já dava nítidas mostras de esgotamento durante a campanha presidencial de 2014. Nada tinha a propor que trouxesse esperanças ao povo e o impelisse a organizar-se para lutar por seus direitos. Apenas satanizava os adversários e até mentia sobre as intenções dos mesmos. Foi com uma pregação eminentemente negativa que conquistou sua vitória de Pirro.
 
Por absoluta falta de ideias, o que fez, no quarto mandato, foi render-se incondicionalmente à pauta econômica do inimigo: entregou o comando da economia a um neoliberal. E nem com um tranco desses o carro pegou...
 
Era a degringola econômica o motor do impeachment. E Dilma não tinha, em 2016, uma mísera proposta a apresentar ao povo, no sentido de tirar o Brasil da marcha para o abismo, em termos econômicos. Nada! 
 
Foi este o principal motivo do impeachment, tendo a narrativa do golpe servido apenas para que os culpados por inação no auge da crise e pelo abandono do povo sofrido à própria sorte se eximissem de suas enormes responsabilidades.
 
Ora, se tudo der certo para os derrotados de 2016 e eles voltarem o poder unicamente graças ao carisma do Lula como pai dos pobres e ao voto anti-Temer, o que acontecerá? Apenas a tentativa de restabelecer a conciliação de classes num momento muito mais radicalizado da crise capitalista. Lula não é, nem nunca foi, um revolucionário; e a fase histórica do reformismo está definitivamente encerrada no Brasil.
"Lula não é, nem nunca foi, um revolucionário"
Haveria, portanto, o empenho em anular tudo o que Temer fez, sem terem o que colocar no lugar, pois sob o capitalismo e a democracia burguesa o cobertor nunca mais será suficiente para nos cobrir do pescoço aos pés. 
 
A única opção possível é a superação do capitalismo e a reorganização da sociedade tendo como prioridade o bem comum e não o lucro. Mas é exatamente aonde o PT não quer chegar e é justamente para cumprir esta missão histórica que o Lula não serviria nem a pau, Juvenal!
 
Que os companheiros ainda movidos por ideais (e não interesses) ponham a mão na consciência e se indaguem: vale a pena insistir em estratégias e posturas anacrônicas, tão somente para vencer uma eleição que não nos levará à posse do poder efetivo nem nos vai dar meios para garantir a posição conquistada nas urnas, ou é hora de reposicionarmos a esquerda e organizarmos o povo para conquistas muito maiores?
 
O Brasil está prenhe de uma revolução. Mas, ela só acontecerá se dermos os passos certos em sua direção. E não é com Lula que faremos tal caminhada.
 
COM A LEI DA FICHA LIMPA, O VOTO TORNA-SE
MENOS LIVRE E A JUSTIÇA, MENOS ISENTA
Por Demétrio Magnoli
Justitia, a figuração escultórica da justiça, surgiu na Roma Antiga e seus olhos ganharam uma venda na Berna do século 16. A venda assinala o ideal de imparcialidade em relação ao status social e, nas democracias modernas, também em relação à política. A tão celebrada Lei da Ficha Limpa ameaça removê-la, violando a separação entre justiça e política. O processo de Lula no TRF-4 lança luz sobre esse risco.
 
Lula é culpado? O veredito político, que cabe aos eleitores, só requer a constatação de que, na Presidência, ele coordenou (ou, no mínimo, facilitou) a captura do Estado –e, notadamente, da Petrobras– por máfias partidárias associadas a empresas privadas. Nesse plano, a crença na inocência de Lula exige um exercício hercúleo de hipocrisia ou um alheamento da realidade digno de mestres da arte zen.
 
Já a sentença judicial solicita uma coleção de provas exibidas segundo os cânones do Direito. Além disso, tal sentença submete-se a revisões judiciais e só se conclui na instância recursal derradeira. Nada haveria de aberrante na hipótese de Lula ser declarado culpado pelos eleitores, mas inocente pelos juízes. O contrário, porém, indicaria um avançado estágio de putrefação de nosso tecido social.
 
A Lei da Ficha Limpa nasceu de uma articulação de advogados e ONGs. Segundo a sua lógica implícita, só a tutela do Judiciário sobre os eleitores conseguiria reduzir os níveis de corrupção. 
 
Sua aprovação pelo Congresso e sanção presidencial (ironicamente, por Lula), em 2010, indicam que nossa elite política, acuada por sucessivos escândalos, renunciava à defesa do princípio da soberania popular. A passagem do tempo mostrou que corrupção e Ficha Limpa convivem em harmonia: o petrolão, recorde-se, operou a todo vapor durante a sua vigência.
 
A Ficha Limpa sabota duplamente a separação entre justiça e política. De um lado, oferece estímulos vitais, existenciais, para os políticos estenderem sua influência no Judiciário, articulando pela nomeação de juízes amigos nos tribunais estaduais e nos tribunais federais regionais. 
 
De outro, confere aos magistrados o poder excepcional de configurar os quadros de candidatos às eleições municipais, estaduais e nacionais. Na república dos juízes, o voto torna-se menos livre e a justiça, menos isenta.
 
O caso do tríplex do Guarujá mobiliza as paixões dos antilulistas profissionais, que enxergam a oportunidade para afastar o ex-presidente da disputa de 2018 e, no limite, enviá-lo à prisão. 
 
Simetricamente, ajusta-se aos propósitos gerais do PT, que vê a chance de popularizar o discurso da perseguição judicial, esvaziando a dura narrativa emanada das sentenças sobre o mensalão e o petrolão
 
Contudo, para além das torrentes de insultos fabricadas nas trincheiras militantes, deveria servir a uma reflexão crítica sobre a Ficha Limpa.
 
Estamos dispostos a subordinar os direitos políticos do eleitorado de Lula a um veredito provisório de três juízes federais do Rio Grande do Sul, sobre o qual pesará a suspeita (fundada ou não) de atropelo dos prazos judiciais costumeiros? 
 
O caso do tríplex é a mais fraca das acusações contra Lula. Na sua convoluta sentença, Sergio Moro admitiu não possuir provas da contrapartida específica oferecida pelo então presidente à OAS. A transação, concluída ou esboçada, parece pertencer menos à esfera propriamente criminal e mais aos fétidos arranjos patrimonialistas tradicionais.
 
Os fins justificam os meios? Justitia deve perder sua venda em nome da política? O mercado, que foi fanaticamente lulista até converter-se ao antilulismo, acha que sim. 
 
Putin e Maduro concordam, utilizando-se habitualmente do Judiciário para esculpir cenários eleitorais vantajosos. 
 
As democracias discordam. Nelas, só uma sentença definitiva exclui o condenado da arena eleitoral. O Brasil precisa escolher o seu lado. 
 
 
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial). Tem um ativo blog com esse mesmo título.

Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.

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