Mônica Francisco, deputada do PSOL, acusa Bolsonaro, Witzel e Crivella de práticas genocidas

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Publicado Sábado, 20 de Junho de 2020 às 10:30, por: CdB

"Todos têm práticas altamente genocidas, sem nenhum compromisso com os direitos, com a democracia. Desmantelam, sistematicamente, as políticas públicas", afirmou a deputada Mônica Francisco, em entrevista à correspondente do Correio do Brasil.

Por Marilza por Melo Foucher - de Paris

A deputada Mônica Francisco (PSOL-RJ) relata o drama da comunidade onde nasceu e foi criada, a favela do Morro do Borel. Cientista social, pastora evangélica, feminista, militante dos direitos humanos e comunicadora popular, a parlamentar é envolvida na defesa dos direitos humanos e movimentos sociais nas favelas. Mônica Francisco acusa, frontalmente, os governos federal, do Estado e do município do Rio de Janeiro de adotarem práticas genocidas, em um período de fragilidade social, durante a pandemia do novo coronavírus.

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A deputada Mônica Francisco (PSOL-RJ) enfrenta o desafio de lutar pela parcela mais frágil da sociedade carioca, nas favelas do Rio

— Como a deputada vê a evolução da pandemia no Rio de Janeiro e, mais especificamente, nas favelas?

— Eu vejo essa situação com grande preocupação, primeiro porque nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), seja o presidente Bolsonaro, seja o governador do Estado do Rio, Wilson Witzel, ou o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal – nenhum deles aprecia a vida de seus concidadãos.

Todos têm práticas altamente genocidas, sem nenhum compromisso com os direitos, com a democracia. Desmantelam, sistematicamente, as políticas públicas. Eles não agem rapidamente no cumprimento de políticas públicas que podem reduzir o impacto negativo da pandemia nas favelas, que são as áreas mais vulneráveis. Isso agravou o número de contaminações, aumentando a disseminação do vírus porque não há distribuição de água potável para o uso básico da lavagem das mãos!

A entrega de ajuda humanitária é muito difícil, e a ajuda do governo federal de emergência também não chega para as famílias mais pobres, especialmente as mulheres. São os habitantes, os coletivos e organizações de favelas que se mobilizam e se articulam nas redes sociais, realizando coletas, juntando recursos, que facilitam a entrega de ajuda humanitária às populações pobres das favelas.

Para completar o drama dos habitantes das favelas, eles continuam sendo alvo de operações policiais, muitas vezes realizadas durante as entregas e assistência de alimentos a essas famílias, que já se encontravam em situação de calamidade social-econômica antes da pandemia. Hoje, essas condições de sobrevivência pioraram muito, considerando que a maioria dessas famílias que viviam com empregos informais não possuem no momento nenhuma fonte de renda. Vejo essa tragédia humana diante de mim com grande preocupação, porque nada está sendo feito pelos governos para mitigar o impacto dessa pandemia nas favelas.

— Que iniciativas a deputada está tomando nas “favelas” diante de um governo federal no meio de uma guerra contra a contenção?

— Oriunda da favela de Borel, como deputada, trabalho em estreita colaboração com essas organizações sociais. Na favela de Borel, criamos o Observatório das Reivindicações das Favelas para poder analisar o desenrolar da flexibilização das atividade em diversos campos, levando em consideração o discurso negacionista do presidente Bolsonaro. Para o governo é necessário liberar todas as atividades econômicas, abrir todo o comércio etc. Essa abertura total põem em perigo a vida humana em nome do sagrado mercado!

Temos um relacionamento conjunto com a Frente de Favela da Cidade de Deus, com o Movimenta Caxias, que tem desenvolvido ações de ajuda humanitária. Além do movimento Nós por Nós Contra o Corona, fundado por jovens do Levante Popular, que reúne a várias favelas no Rio de Janeiro na tentativa de conter os impactos negativos da pandemia.

Enfatizo que durante esse período desenvolvemos, graças ao nosso mandato parlamentar, uma pressão conjunta com movimentos sociais sobre o Governo do Estado para interromper as operações policiais durante a pandemia, em particular durante a entrega de ajuda humanitária. Até agora essa pressão foi bem-sucedido e estamos sem intervenção da polícia há três semanas. Para atingir esse objetivo, houve a medida decretada pelo ministro Fachin, do Supremo Tribunal Federal, para impedir que operações policiais nas favelas acontecessem durante a pandemia, esta medida foi essencial para garantir as vidas.

Para os habitantes das favelas, além de morrerem com o vírus, eles também morrem de tiros! Desta forma, ampliamos nossas vozes, porque não queremos morrer do vírus ou dos tiros! Nas favelas, estamos unidos contra o Coronavírus e contra a violência do Estado.

— Na favela de Borel, existem hospitais ou centros de saúde prontos para realizar os testes e receber o influxo de contaminantes?

— Na favela de Borel existe apenas uma Unidade Básica de Saúde, não há hospital de referência próximo. O único existente está localizado em outro distrito, é o Hospital Universitário Pedro Ernesto e uma clínica pública, a Piquet Carneiro com atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que são as referências para epidemia. O sistema de saúde público é muito precário e não há testes para a população de favelas. Sabemos que houve um desmantelamento dos serviços públicos, que começou com o congelamento dos gastos sociais por 20 anos sob o governo Temer e piorou com a presidência de Bolsonaro e seus aliados nos governos do Rio de Janeiro. De fato, temos uma política geral de necropolítica no Rio de Janeiro e no Brasil.

Existe um estado de calamidade pública que vai além dos territórios de favelas. A situação em geral no Brasil é muito dramática, pois sem testes e com dificuldades práticas de isolamento social, por termos moradias precárias, por falta de saneamento básico e supressão de recursos para as políticas públicas, a população ficou e está desprotegidas, sem atendimento de saúde, foram criadas condições favoráveis à disseminação do vírus.

— Qual é a população atual do Borel? Você tem uma ideia do número de pessoas infectadas? Como o público reagiu ao desprezo do presidente por esta pandemia?

— O complexo Borel é composto por cinco favelas: Borel, Casa Branca, Morro do Cruz, Indiana e Rodo da Usina, com quase 30 mil pessoas moradores. Mas não temos dados precisos sobre o número de pessoas infectadas. Por esse motivo, desenvolvemos uma outra ação que é CoronaZap, onde usamos o aplicativo de mensagem para que as pessoas nos informem da contaminação, para que possamos tabular os dados e ter um número mais próximo da realidade.

Todas as iniciativas que mencionei provêm da sociedade civil em parceria com o mandato. Os discursos negacionistas de Bolsonaro e seus aliados repercutem em moradores que não estão cientes do perigo representado por esse vírus. Há uma banalização do sofrimento de muitas pessoas, devido à sua própria existência na miséria e à ameaça permanente de perda de vidas. Muitos se acostumaram a viver com o perigo, a viver entre o risco iminente de perder a própria vida com a violência cometida pelo Estado, ou os tiros dados pela Polícia e pelas milícias. Daí chega o Coronavírus e mais uma ameaça de morte possibilidade. Só que esse perigo não é palpável, daí muitos não levam a sério o confinamento.

Também não há condições adequadas de moradia, vivem entre cinco a dez pessoas em um espaço mínimo. Dificilmente você irá encontrar uma casa na favela onde moram duas pessoas. Esse é o contexto social da favela, são pessoas que passam por sequências de sofrimentos, onde a constante é a luta pela sobrevivência. A necessidade de comida é muito mais importante do que a necessidade de se proteger.

— Algumas pesquisas de opinião mostram que o presidente Bolsonaro continua a contar com o apoio de 25% da população. Como explicar que, diante do caos econômico-social, e da negligência diante do crescente número de mortes, o presidente sempre mantém esse percentual? Você tem uma ideia do perfil de seus apoiadores?

— Como explicar? Primeiro, ele não tem a maioria da população, hoje somos mais de 70% de brasileiros que não apoiam Bolsonaro e isso deve ficar muito claro. A campanha “Somos 70%” nasceu para deixar isso exposto. Que a maioria não apoia o Bolsonaro. Mas, a minoria ligada a Bolsonaro é uma minoria estridente, barulhenta e muito eficaz na divulgação de notícias falsas. Bolsonaro foi eleito graças a essa dinâmica de fake-news, notícias enganosas disseminadas em massa nas redes de comunicação virtual. Eles construíram uma imagem completamente falsa da realidade, gerando a figura do "salvador da pátria", tudo isso com base no discurso de ódio. O que fica evidente é o apoio da elite rica e da classe média brasileira, bem analisada pelo sociólogo Jessé Souza.

O conhecido "Gabinete do Ódio" de Bolsonaro, onde as mentiras são espalhadas, é financiado por empresários e por grupos financeiros. Uma Comissão Parlamentar foi criada, pelos deputados federais, para investigar a produção e disseminação dessas notícias que foram fundamentais na eleição de Bolsonaro.  É preciso saber quem mantém essa rede de produção de falsas notícias, que amplia o discurso de ódio usando uma linguagem muito popular, atingindo todos os estratos sociais, sobretudo as pessoas mais pobres que esperam um salvador que possa mudar suas vidas.

Outro fator importante na eleição de Bolsonaro foi o discurso antipetismo, que elegeu o Lula como inimigo. Também o discurso anticorrupção, porém são os mais corruptos, os mais perversos e os mais odiosos. foram eleitos graças ao apoio dos setores econômicos e financeiros, inclusive vinculados a propagação fake news, como expus. Essa parte da população, que apoia Bolsonaro tem um ódio real pelos pobres, pelos negros e pelas populações indígenas.

Fica evidente que o governo é movido pelo ódio. A reunião com ministros e empresários, gravada no dia 22 de abril, revela claramente que o ódio e a discriminação permeiam as ações governamentais. O Ministro da Educação explicitou o ódio pelos povos indígenas, pelos quilombolas. Nessa reunião também ficou evidente o desrespeito às mulheres, aos negros e o desprezo pela democracia. É óbvio que eles preferem o autoritarismo. São admiradores da ditadura militar que causou tanto dano ao Brasil, que causou tristeza, mortes e desaparecimentos. O custo da conquista da democracia foi alto e hoje estamos diante de ditadores. Certamente, não é uma ditadura como a estabelecida em 1964. Temos outro golpe de estado instalado na República. O governo Bolsonaro é composto por mais de 3.000 militares.

Estamos vivendo um período duro com população passando por muitas dificuldades, com aumento de analfabetismo funcional. São pessoas que não conseguem interpretar a realidade e estão à mercê, tanto da mídia quanto de grupos que sempre estão por trás de muitos episódios da história brasileira. Grupos que apoiaram a ditadura de 1964, que ajudou a dar o golpe de 2016, que resultou no impedimento da presidente Dilma Rousseff.

Parte significativa da imprensa construiu a narrativa que provocou a explosão da imagem da presidente Dilma, e a justificativa para o golpe. Foi aberta a passagem para esses bandidos e corruptos que estão no poder e podem contar com o apoio de um outro conglomerado de mídia, que é a mídia religiosa, que tem grande penetração entre os mais vulneráveis, que elegeram esses canais como referência. Esses são os danos que teremos que reparar após essa administração fraudulenta, que representa uma tragédia na história do Brasil.

— Que mensagem você deseja enviar aos leitores franceses e brasileiros?

A história é cíclica, mostrando que ainda somos capazes de reformular processos tão difíceis e violentos quanto aos que vivemos hoje. Seja com a pandemia global, ou com a política brasileira – nesses processos de opressão e vulnerabilidade das classes trabalhadoras, as mulheres negros, negros e indígenas no Brasil – temos que acreditar e esperar por um amanhã mais feliz.  Lembro da frase do sociólogo Hebert de Souza, o Betinho, que estava no exílio durante a criação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), ele dizia que não poderia perder a dimensão do sonho, mesmo em um estado exceção.

Não podemos perder a utopia do possível para construir um projeto de sociedade que contemple toda a diversidade e a beleza que representam os seres humanos e nosso meio ambiente. Uma sociedade que será menos injusta, menos desigual socialmente e ecologicamente responsável. Podemos realmente construir uma sociedade transnacional que promova o diálogo entre os povos, um diálogo entre culturas, possibilitando fortalecer a diversidade e a beleza da existência humana.

Precisamos de sonhos e utopias. Todas as vidas contam, as vidas negras contam ainda mais. São as nossas vidas negras que, em sua trajetória histórica, nas diásporas,  experimentam múltiplas  tragédias. Nossa luta é a mesma e nossos sonhos também.

Marilza de Melo Foucher é economista, jornalista e correspondente do Correio do Brasil, em Paris.

A entrevista foi publicada, inicialmente em francês, no site francês de notícias Mediapart.
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