Morreu esta manhã o cineasta Rogério Sganzerla. Segundo relatos de pessoas próximas, o cineasta já vinha esperando a morte, desiludido, há pelo menos um mês. Há menos de um ano ele foi diagnosticado com três tumores no cérebro. As operações a que se submeteu conseguiram eliminar um deles, porém um outro era muito profundo, sendo impossível sua remoção. As seqüelas eram muitas. Na exibição de seu último filme, O Signo do Caos, no Festival do Rio, Sganzerla compareceu de cadeira de rodas e falou com dificuldade. O que, em parte, lhe rendeu calorosos aplausos que duraram bem mais de um minuto.
O cinema brasileiro perdeu um gênio e talvez um de seus maiores autores. Crítico, ácido, tempestuoso, Sganzerla imprimiu um estilo incopiável. Histérico, agressivo, debochado, seus filmes eram o luxo e o lixo. Sua estréia no longa metragem é talvez a maior obra prima do cinema brasileiro de todos os tempos: O Bandido da Luz Vermelha. Antropofágico, miscigenado, Bandido é um raro exemplo de driblar o primitivismo e escapar do subproduto aculturado. Máxima que percorre a obra do cineasta, e pode ser sugerida em seqüências de Sem Essa Aranha, um de seus três filmes feitos na Belair, sua produtora com Júlio Bressane. Com Bandido, o cineasta popularizou o Cinema Marginal, que nos anos seguintes seria visto como um movimento de renovação do já saturado Cinema Novo.
Rogério Sganzerla foi o cineasta que mais pensou em Welles e sua passagem pelo Brasil. Era um historiador de mão cheia. Casado com sua atriz preferida, Helena Ignez, o cineasta filmou pouco, mas filmou com grande sensibilidade. Explorou a boçalidade burocrática (por vezes governamental) em personagens caricatos e interpretações anti-naturalistas. Taí talvez sua fascinação com o episódio de Welles no Brasil.
Muita coisa sua ainda permanece inédita, com pequenos filmetes em super 8 filmados na África ou até filmes que não são vistos há tempos. Denúncia: pelo amor de Deus alguém restaure Carnaval na Lama! O filme está apodrecendo e não vai sobrar fotograma para contar história!
Rogério foi tido como ícone do cinema marginal. Nunca largou o rótulo. Uma retrospectiva feita há meses atrás no Canal Brasil se limitou a exibir seus filmes uma única vez, sempre na quase madrugada. Enfim, nos deixa um homem que pensou cinema no Brasil como nunca haviam pensado que poderia ser pensado. Um cineasta que avacalhou, pôs em prática (em termos de produção) a estética da fome, com suas fitas baratas ou filmecos (como ele mesmo rotulou sua obra prima de estréia). Um homem à frente de seu tempo, à margem de seu espaço. O Signo do Caos, seu anti-filme, é sua contribuição de seu legado. Que com isso comecem a ter mais cuidado com seus filmes, se certificando que não sejam esquecidos em depósitos e apodreçam.