Neste 14 de março, o “Dia Internacional de Lutas Contra as Barragens, Pelos Rios, Pela Água e Pela Vida”, atos acontecem por todo o país. A jornada de lutas do movimento este ano começou no 8 de março, pelo dia internacional de luta das mulheres, e vai até o 22, dia mundial da água.
Por Redação, com Brasil de Fato – de Brasília
Um mês depois de Petrópolis, no Rio de Janeiro, com mais de 230 mortos, viver a maior tragédia ligada às chuvas da história do município e meses depois de estados como Bahia, Maranhão, São Paulo e, em especial, Minas Gerais viverem alagamentos e alertas para risco de rompimento de açudes de mineradoras, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) completa 31 anos.
Em Belo Horizonte (MG), na manhã desta segunda-feira, ativistas entregaram um documento ao governo do Estado e ao Ministério Público com as pautas estaduais em defesa dos atingidos. De tarde, foram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) protocolar uma ação judicial pedindo a penalização de empresas que descumprirem a Lei 23.291/21.
Neste 14 de março, o “Dia Internacional de Lutas Contra as Barragens, Pelos Rios, Pela Água e Pela Vida”, atos acontecem por todo o país. A jornada de lutas do movimento este ano começou no 8 de março, pelo dia internacional de luta das mulheres, e vai até o 22, dia mundial da água.
Mais conhecida como “Mar de Lama Nunca Mais”, a Lei 23.291/21 cria dispositivos mais rigorosos para o licenciamento e descomissionamento de barragens e proíbe a presença de pessoas em zonas nas quais não há tempo suficiente para salvamento em caso de rompimento.
Iury Paulino, da coordenação nacional do MAB, salienta que, na perspectiva do movimento, atingidos não são apenas aquelas pessoas afetadas por rompimentos de barragens. “São todas as pessoas impactadas por esse modelo de desenvolvimento que vivemos”, ressalta.
Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas
Uma das prioridades da jornada de lutas de 2022 é pressionar o Congresso Nacional e o governo para que aprovem o Projeto de Lei (PL) 2788/19, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas (PNAB).
A PNAB propõe normas de segurança tanto para as estruturas de barragens quanto para a população que vive no seu entorno. Além disso, impõe medidas de reparação obrigatórias por parte de mineradoras e empresas de energia pelos danos que causam a comunidades e ao meio ambiente.
– No último ano, depois de muita luta e insistência, conseguimos avançar na tramitação da política na Câmara dos Deputados – conta a também coordenadora do MAB, Liciane Andrioli.
Na próxima quarta-feira acontecerá uma audiência pública entre parlamentares e representantes do movimento para discutir o projeto.
Para Iury Paulino, a existência desse tipo de regramento “é algo mínimo dentro de um Estado democrático de direito”.
“Temos bombas armadas sobre a cabeça”
Atualmente o país tem 906 barragens cadastradas no Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração (SIGBM).
Na virada do ano, enquanto o sul da Bahia se via submerso, as chuvas já causavam estragos em Minas Gerais e o presidente Bolsonaro (PL) passeava no Parque de diversões Beto Carrero, 40 barragens entraram em nível de emergência.
Das estruturas, três delas foram classificadas em nível 3, que significa situação de “ruptura iminente ou em curso”. São elas B3/B4 em Nova Lima (MG), Forquilha 3 em Ouro Preto (MG) e Sul Superior em Barão de Cocais (MG). Todas são da mineradora Vale, responsável pelo rompimento da barragem em Brumadinho (MG) em 25 de janeiro de 2019, quando 270 pessoas morreram.
Esse foi um dos maiores desastres ambientais do Brasil, ficando atrás apenas do rompimento da barragem de Mariana (MG), controlada pela mineradora Samarco. Na ocasião, em 5 de novembro de 2015, um mar de lamas de rejeitos tóxicos matou 19 pessoas e foi despejado no rio Doce, bacia hidrográfica que abastece 230 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo.
– No Brasil nós temos verdadeiras bombas que estão armadas sobre a cabeça de muita gente. De muitas cidades, muitas comunidades. Não há sequer um instrumento que possa garantir que esse povo tenha o direito de saber que corre esse risco e que precisa ter parâmetros técnicos para se proteger – critica Paulino.
Ao lado dos impactos negativos das mudanças climáticas, o coordenador do MAB destaca que as barragens do setor energético e mineral brasileira estão ficando mais velhas. “Incorremos no risco de, cada vez mais, aumentar a probabilidade de rompimentos”, alerta.
A origem do MAB
O “Dia Internacional de Lutas Contra as Barragens, Pelos Rios, Pela Água e Pela Vida” é comemorado desde 1997, quando o Brasil sediou o 1º Encontro Internacional dos Atingidos por Barragens. Mas a data marca também o dia em que o MAB oficialmente nasceu, em 1991.
O Movimento de Atingidos por Barragens surge no Brasil em decorrência de um processo organizativo que o antecede.
Na década de 1970, durante a ditadura militar brasileira, começam a se formar, em todos os estados, comissões regionais de pessoas atingidas por grandes obras de infraestrutura do chamado processo de industrialização do país.
Entre elas, estavam as comissões paraenses de Tucuruí, a que lutou contra a usina hidrelétrica de Cararaô, que depois se tornaria o projeto Belo Monte – e a que impediu a construção da barragem de Oriximiná. “Havia também comissões no Sul, no Nordeste, como de Itaparica e Sobradinho, e no sudeste como no Vale do Ribeira”, ilustra Paulino.
Inaugurando o declínio da ditadura militar, a década de 1980 começa, na esteira das greves do ABC paulista, com a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Em 1983 surge a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e acontecem as massivas mobilizações por eleições diretas. No ano seguinte, é criado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
– O próprio surgimento do MST acontece, em grande medida, com os atingidos deslocados pela Usina Hidrelétrica de Itaipu – conta Iury. “E nessa onda de construção das frentes de massas, começa a se estruturar um movimento popular que tratasse da questão dos atingidos”, narra.
Em 1989 as comissões regionais se reúnem e tiram dali uma coordenação provisória para elaborar o que seria essa estrutura orgânica a nível nacional. “Em 14 de março de 1991 essa coordenação se reúne e faz um congresso”, relata Paulino. “Ali se define que esse instrumento seria o Movimento dos Atingidos por Barragens”, finalizou.