Andrea Haas, mulher do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, preso em Módena, no interior da Itália, tentou visitar o marido, na manhã deste sábado, mas a administração local se recusou a permitir seu ingresso devido ao horário de visitas, que ainda será estabelecido para o réu nos próximos dias. Andrea, que concedeu uma entrevista exclusiva à revista IstoÉ, recusou-se a falar para os demais veículos da mídia conservadora, que promovem um verdadeiro assédio à ela e seus familiares.
– Todos os documentos foram apresentados para a imprensa e vocês tiveram a oportunidade de divulgá-los. Mas nunca divulgaram. Só divulgaram mentiras. Porque vou falar mais? – protestou.
Perguntada o motivo pelo qual Pizzolato estava tranquilo na audiência perante o tribunal na sexta-feira, ela respondeu: “deve ser porque a Justiça aqui é correta, integra, que faz a coisa certa”.
– Por isso ele estava sereno – acrescentou.
Segundo a administração da prisão de Módena, Pizzolato está confinado a uma cela de 9 metros quadrados e divide o local com um italiano. Num quadrado de 3 metros por três, a polícia garante que está respeitando as regras estabelecidas pela Corte Europeia de Direitos Humanos, com base em Estrasburgo. No local, há uma ducha quente e banheiro privado. Se o detentos podem ter um computador, eles estão impedidos de qualquer acesso à internet e um bloqueio a celulares é implementado. Na cela, os detentos podem ter livros, jornais e uma televisão, ainda que os canais sejam controlados.
O brasileiro poderá fazer uma ligação de dez minutos a um familiar por semana e receber seis horas de visita no mês. Andrea e Pizzolato encontrariam-se, nesta manhã, em uma sala com outros 12 detentos. Pelas regras da prisão, Pizzolato tem o direito de passar quatro horas do dia fora da cela. Há uma academia de esporte e um campo de futebol.
Os 550 detentos em Módena tem o direito de trabalhar em postos que variam desde ajudante de cozinha, distribuição, almoxarifado, em atividades agrícolas e mesmo fora da prisão, se autorizado. Uma conta é aberta em seu nome para receber o salário. Segundo a polícia local, a refeição dos detentos é a mesma das forças de ordem, com um menu composto por massas, pratos da cozinha italiana ou carne. Bebidas alcoólicas estão proibidas.
Entrevista
Na edição que chega às bancas neste fim de semana, a revista IstoÉ traz a entrevista realizada por Paulo Moreira Leite e Janaína César com Andrea Haas. Ela defende a fuga, como última saída que restava ao casal.
– Vocês imaginavam que essa prisão pudesse ocorrer agora?
– Não. Não estávamos esperando por isso.
– Mas a televisão mostrou que vocês ficavam com as luzes apagadas, com janelas fechadas, como se estivessem sabendo que poderiam estar sendo monitorados.
– As pessoas esquecem que estamos no inverno e por isso as janelas ficavam fechadas.
– Por que vocês decidiram fugir do Brasil?
– Isso aconteceu quando ficou claro que não havia mais saída jurídica para nós. É claro que, se fosse possível escolher, não queríamos sair do Brasil. Ninguém queria deixar o País. Mas era preciso achar uma saída. Temos um monte de sobrinhos e queríamos ver o crescimento de todos eles. Também gostamos de morar no Brasil, de encontrar os amigos. Nossa vida está lá. Mas eu aprendi com meu pai que não podemos nos submeter. Nós não podemos nos submeter aos erros da justiça brasileira. Podemos até morrer, mas não podemos deixar de procurar uma saída, porque sempre existe uma saída na vida. Por isso decidimos sair do Brasil. Querem roubar nossa dignidade. Queremos uma saída. Queremos sobreviver. Temos esse direito.
– A senhora acha que a Justiça italiana será melhor para Henrique Pizzolato do que a brasileira?
– Não sei. Não conheço. Até agora o governo brasileiro não enviou o pedido de extradição. Não sabemos o que vai acontecer, pois é a partir daí que as coisas podem se mexer. Mas já vi uma diferença importante.
– Qual?
– Na Itália os julgamentos não são televisionados. São feitos por três juízes, a portas fechadas.
– Por que isso seria bom, no entendimento da senhora?
– As pessoas falam no Brasil que a televisão no julgamento é algo democrático, mas não é nada disso. Ela mostra os ministros falando, mas não mostra os documentos. Não mostravam as provas, o que estava por trás daquilo. Então era só um lado. Que transparência é essa? É uma grande hipocrisia. O Henrique (Pizzolato) deu um depoimento televisionado pela TV. Foi um espetáculo. Só isso.
– Como a senhora se sente depois da prisão de Pizzolato?
– Eu me sinto arrasada. Você deixa de ser dono da sua vida. O Henrique está angustiado e decepcionado. Esperamos que justiça italiana seja mais correta e íntegra. Na União Européia, os direitos humanos e o amplo direito de defesa são garantias fundamentais. Hoje, a vida do Henrique não é mais dele. Quem manda em tua vida são os advogados, os juízes, os jornalistas. Quando começou tudo isso, a gente caiu num mundo que não conhecia, não temos mais controle. Você descobre que a verdade pouco importa. O que importa são os interesses políticos, o interesse material. É uma grande angústia, uma grande decepção.
– Você se sentiram sozinhos nos dias que antecederam à prisão?
– O tempo inteiro. Não me sinto abandonada porque, apesar de tudo, não sou vítima. Olhamos para a frente. Estamos enfrentando todos os obstáculos. Conseguimos sobreviver. Todo o dia eu tenho que convencer as pessoas. Tento mostrar o que aconteceu, mas é como se estivesse diante de uma avalanche de mentiras. Isso não é viver. Ninguém quer perder 5 minutos de seu tempo para saber a verdade.
– Como a senhora avalia o comportamento do PT em relação ao Henrique Pizzolato durante julgamento do ‘mensalão’?
– Eu acho que ao longo do julgamento muitas pessoas fingiam não ver o que estava acontecendo. Elas achavam que não seriam atingidas e não queiram se envolver. Eu também ajudei a formar esse partido. Mas eu acho que o PT nunca soube enfrentar esse processo de frente. Deixou-se carimbar.
– De uma forma ou de outra, a senhora teve contato com advogados, com pessoas que entendem de Direito. Quais impressões eles têm do julgamento do mensalão?
– Eles estão muito impressionados com o fato de que os réus não puderam ter um segundo grau de jurisdição. Isso é o que mais incomoda. Este é um direito que existe no mundo inteiro. Quando ouvem falar sobre isso eles dizem que é muito estranho. Um outro ponto que incomoda é a noção de que foi um julgamento político.
– Mas no julgamento no STF, alguns ministros disseram que os embargos poderiam ser considerados um segundo julgamento…
– O Henrique só teve direito aos embargos de declaração. Isso aconteceu com outros réus também. Toda vez em que se tentava questionar o mérito de alguma decisão, um juiz dizia que essa fase já havia passado e ponto final. Se não dava para julgar o mérito, como se poderia dizer que eram uma revisão? E foi apenas isso que o Henrique pode apresentar.
– O que mais incomodou no julgamento?
– O Henrique sempre foi um C. D. F. Sempre fez tudo direitinho e certinho. É um sujeito organizado. Você pode ver a história dele. De repente ele está preso, acusado de ter desviado R$ 73 milhões do Banco do Brasil…
– A senhora poderia explicar o que, em sua avaliação, há de errado nessa acusação?
– Não houve desvio. Basta ler a auditoria do Banco do Brasil para concluir que não houve desvio. Os gastos declarados foram feitos. Estão lá, com recibos e notas fiscais. E são gastos com empresas de comunicação, com publicidade que saiu na televisão, nos jornais, nas revistas. A auditoria mostra qual veículo recebeu tal verba, qual veículo recebeu a outra verba. Se não fosse verdade, eles poderiam ter denunciado a fraude. Mas os anúncios estão lá, foram publicados. Você acha que se alguém tivesse desviado R$ 73 milhões de reais da Visa, empresa que é dona do Fundo Visanet, ela não teria aberto uma investigação para apurar o que tinha acontecido? Você acha que se tivessem sumido R$ 73 milhões do Banco do Brasil não teria sido aberto um inquérito interno para se apurar o que tinha acontecido?
– Mas como ministros que estudaram tanto o caso puderam errar como a senhora diz?
– O Joaquim Barbosa citou uma auditoria de 2004 para dizer que o Henrique mudou algumas regras no marketing. Você ouve a colocação dele e tem certeza de que essa mudança foi feita para piorar o controle, para favorecer o PT. Mas é não é verdade. O Pizzolato não mudou as regras do marketing para favorecer o PT. A auditoria elogia o trabalho do Henrique. Fala que depois das mudanças que promoveu, os procedimentos ficaram melhores, o controle ficou mais eficiente. Teve um ministro que disse que o ônus da prova cabe ao acusado. Era tão absurdo, tão primário para se dizer num julgamento, que achou melhor suprimir a frase nos acórdãos. Também se disse que, embora não tivesse apoio em provas, era possível condenar um dos réus com base naquilo que diz a literatura jurídica. A discussão sobre gastos públicos foi e voltou na sentença de muitos juízes.