Mundo velho sem porteira

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Publicado segunda-feira, 18 de abril de 2005 as 11:22, por: CdB

Entrevistar pessoas é uma das melhores coisas que podemos fazer no Fórum Mundial da Reforma Agrária. Entre elas, destaco as com Jacques Chonchol, Plínio de Arruda Sampaio e Fernando Oliveira Batista.

Uma das coisas boas dessas empreitadas como estamos fazendo, a de cobrir o Fórum Mundial sobre Reforma Agrária, é a de entrevistar pessoas. Entre as várias entrevistas que fiz para a TV Carta Maior, quero destacar aquelas em que estão Jacques Chonchol e Plínio de Arruda Sampaio, e aquela em que está Fernando Oliveira Batista.

É evidente que é muito interessante entrevistar militantes do Chile, do MST, do Movimento Quilombola, de Conceição das Crioulas, é igualmente interessantíssimo ouvir e transmitir depoimentos que vem do Mali, da China, do Vietnã, Cuba, Bangladesh, Índia, Indonésia, África do Sul, Senegal, México, Peru, Bolívia, e por aí se vai mundo a fora. Conhecer o povo local, então, nem se fala. Ouvir a fala Valenciana, tão próxima e tão distante da catalã, parente da portuguesa medieval: provavelmente nessa irmandade há o traço comum judeu ou cristão novo, já que as “germanias” (poderíamos traduzir por “fratrias”), as irmandades e guildas corporativas do medievo espalharam-se por toda a península ibérica, tendo como centro importantíssimo a cidade de Valência. Disso, trataremos mais tarde.

Ocorre que com aqueles três acima mencionados, estivemos, se posso usar com peso a expressão, “diante dos ventos da história”. Na expressão feliz de Leonilde de Medeiros, que nos acompanhou nas entrevistas, eram “decanos da reforma agrária”. “Professores e militantes eméritos”, eu acrescentaria.

Nas conversas que se seguiram às entrevistas, Plínio confiou-me que, na sua opinião, Jacques Chonchol, ex-ministro da Agricultura do governo de Salvador Allende no Chile, foi o homem que mais desapropriou terras nas Américas. “Mais que Emiliano Zapata”, emendou ele, enfatizando. A sobriedade algo humilde de Chonchol contrasta com a consciência dos poderes que passaram por aquelas mãos: não poderes usados com fatuidade, mas poderes de luta e de dedicação a seu povo, poderes formados pelos poderes da ética.

O mesmo se pode dizer de Oliveira Batista, cuja simpatia só tem rival na de Chonchol, ou na de Plínio. Seu esforço nos encontros tem sido o de estabelecer as convergências dentro dos contraditórios. Diz ele que só do contraditório pode nascer a união, só da consciência e da liberdade do dissenso pode nascer a energia positiva do consenso para a luta comum. De nada adianta, enfatiza ele, termos propósitos os mais generosos e radicais, se ficarmos isolados, se não tivermos o apoio de ninguém mais a não ser de nós mesmos. “É qu’vai ver qu’xtou u sempr’xtive muito conservador”, diz ele, sorrindo muito ironicamente, com seu belo tom tão lusitano.

Da luta histórica de Plínio sabemos mais, nós os brasileiros. Aqueles três “decanos da reforma agrária” conheceram derrotas contundentes, as contra-revoluções no Brasil, no Chile e também em Portugal, embora hoje estejamos falando de três nações que superaram as suas ditaduras. Mas decididamente o exemplo que deles nos vem é o de que, ao vê-los, ao falar com eles, percebemos que não estamos diante de derrotados, mas de vitoriosos, porque se discerne na sua palavra que permaneceram e permanecerão sempre na luta: até seus eventuais erros terão grandeza. A impressão que se tem é a de que deles jamais se ouvirá: “esqueçam o que eu escrevi, ou o que eu fiz”. Ou que jamais o que farão envergonhará o que fizeram.

Não posso deixar de lembrar, diante deles tese, que ouvi sobre as nossas araucárias, os los candelabros de Diós, no dizer dos jesuítas espanhóis que as viram pela primeira vez nos planaltos sulinos. Diz a tese que as araucárias estão fadadas a desaparecer, porque o corte das madeireiras selecionou primeiro as mais longevas. Instalou-se nelas assim uma tendência genética a diminuir a longevidade, que as levaria à extinção, co