Não saiu na Folha: liberdade de existir

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Publicado terça-feira, 14 de abril de 2015 as 15:00, por: CdB
Colunista polêmico vem reforçar a equipe do Direito da Redação
Colunista polêmico vem reforçar a equipe do Direto da Redação

O artigo que a Folha não publicou: LIBERDADE DE EXISTIR e não somente a de expressão

No meu artigo recente pra essa coluna (Ri por ultimo que ri melhor), abordava-se os limites ou não limites da sátira. Estávamos todos numa tremenda ‘maré baixa” por causa dos ataques ao Charlie Hebdo, em Paris.

Agora, mais recentemente, ficamos ainda mais entregues a barbárie que se espalha como um vírus incontrolável por ai, peste de merda! Esses eventos na Dinamarca ou em Carolina do Norte (pra não falar nos constantes: Nigéria, Síria, Iraque, Egito, Líbia), me fazem pensar se não estamos, realmente, voltando ao ano 700 ou então as Inquisições!

Hoje, dia 17 de fevereiro, um homem negro, foi impedido de entrar num dos vagões do metro de Paris, por fãs do Chelsea. E ninguém moveu um olho!!!

Mas, talvez, o melhor exemplo de barbárie e que retorna como uma ferida nunca cicatrizada, foram as comemorações e horrendas lembranças dos 70 anos da libertação de Auschwitz.

Alguem tem o direito de mandar ou bully nossas vidas? Ninguém! Quem melhor falou sobre isso foi o prefeito de Rotterdam, Holanda, Ahmed Aboutaleb, ele proprio um islamico e imigrante do Marrocos. Só chegou aos paises baixos com a roupa do corpo e olhe lá: “ Ou voce respeita as regras de uma sociedade multi cultural e suas tradições e crenças, ou ‘de o for a’ (get lost!). A mensagem dele é forte, linda e ele fala comoventemente. É o primeiro prefeito islamico em toda a Europa, mas conhece bem a cara do inimigo, porem não se deixa intimidar!

“Ninguém pode se achar no direito de “brainwash” uma população inteira para que viva sob uma lei de Sharia absurdamente mal interpretada. Se não estão contentes, que voltem pro Yemen ou seja la onde querem treinar com seus brinquedinhos de extermínio e genocídio”, completa o prefeito, numa entrevista dada em Washington ao programa da Christiane Amampour, CNN.

Fiquei comovido com a clareza de Ahmed Aboutaleb , emocionado com sua maneira apaixonada de defender o direito de ‘existir’.

Sim, estamos sitiados por gangs, por gangsters, por bandidos encapuzados e sem identidade que raptam e estupram por dinheiro. O ISIS já deixou de ser ideológico na base faz tempo; hoje é brinquedinho pra garotão ter aventura no deserto, ja que la é a terra do ‘western’ sem lei e quem tem as melhores armas, mais estrago faz. Fazem “negócio” a qualquer preço, trocam o seu preço por reféns humanos e aumentam suas “ações na bolsa” do Twitter e do Facebook envergando seus facõezinhos com a falsa supremacia que acaba em merda, decapitando jornalistas, humoristas, médicos com ou sem fronteiras e por ai vai, e ameaçando chefes de estado com aquela voz de pós adolescente que não consegue uma trepada!

A “globalização” deu nisso, em merda. As tribos se fecharam cada vez mais, pra cada vilarejo, uma bandeira independente. Por um lado os jihadists. Por outro, os partidos neo-nazistas crescem na Europa. A ascenção vertiginosa de Marine Le Pen na França é prova disso.

É quase surreal pensar que estamos presenciando isso e discutindo isso no século que se segue após o surgimento dos mais transgressores movimentos artísticos e sociais como o Dadaísmo, o teatro do Absurdo, o Surrealismo, o Tropicalismo, a contracultura, Woodstock e o levantamento de todas as bandeiras do movimento civil, desde os negros ao casamento gay ou o feminismo e assim por diante. Sim, surreal que tenhamos voltado a isso!

O que fica desse ataque em Copenhagen? Nada. Fica a imagem do cineasta Finn Norgaard, baleado, morto, caído lá jogado numa poça de sangue! Assassinado durante uma conferencia sobre a liberdade de expressão! O cartunista sueco Lars Vilks, que ja anda com seguranças em volta desde ataques anteriores, dessa vez saiu ileso. Mas a liberdade de existir, saiu ainda mais ferida! Fica a imagem de mais um judeu morto na frente de uma sinagoga européia.

E, 800 anos desde a milagrosa aparição da Magna Carta, certamente o primeiro documento que nos assegurava a existência e sobrevivência como um ‘direito’, ela, a Magna, esta entrando num estado de osteoporose, todo seu esqueleto quebrando.

Existir significa ‘sentir’. Sentir pelos outros, ter compaixão, saber que o outro também sofre de angustia, de euforia, de depressão, de alegrias profundas, tristezas amargas, enfim, sofre de tudo que o “eu” sofre também. É o tal do “olhar humano” ( na definição Shakepeareana de Harold Bloom em seu brilhante “Invenção do Humano”). Mas em qual temperatura esta o mercúrio nessa sensível e brutal balança?

Nós de um lado, e ‘eles’ os terroristas aliados ao Islamismo radical, do outro.

Se a liberdade de expressão está sofrendo ameaças, o direito de “ser”, “existir” esta ainda mais em perigo. E dou exemplos:

– Chapel Hill, Carolina do Norte, onde Craig Stephen Hicks, 46 – o assassino, racista, nazista, negava o direito de 3 jovens islâmicos de simplesmente existirem.

Deah Shaddy Barakat, 23 anos, aluno de odontologia, Islamico, recem casado e sua mulher, Yusor Mohammad, mulher de Deah, 21 anos e a irmã dela Razan Mohammad Abu-Salha, 19 anos: todos os três lindos. Lindos! Lindos e assassinados porque são o que querem ser enquanto existem!

Se ha um mês eu afirmava que “quem ri por ultimo, ri melhor’, agora nessa Europa sitiada estou começando a temer que a ultima lagrima derramada poderá ser a lagrima fatal.

Gerald Thomas, diretor teatral. ator, escritor, encenador polêmico, criador de uma estética elaborada a partir do uso diferenciado de cada um dos recursos teatrais e orientada pelo conceito de “ópera seca”. Renovou a cena brasileira nas décadas de 1980 e 1990. Dirigiu no ano passado, a peça musical Entredentes com o cantor Ney Latarroca, nos teatros do Sesc de São Paulo e Rio de Janeiro.

Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins