No poço ou pessimismo fomentado?

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Publicado terça-feira, 18 de agosto de 2015 as 15:00, por: CdB

Por Tarcísio Lage, de Hilversum, Holanda:

Para colunista, as conquistas dos últimos anos superam os desacertos recentes
Para colunista, as conquistas dos últimos anos superam os desacertos recentes

Manifestação da direita dia 16, agrupando a extrema que prega o golpe e a intervenção militar, passando pela mais inteligente com a ideia de sangrar o PT e tirar todas suas chances em 2018 e, sobretudo, a classe média que sempre vacila entre um lado e o outro: “Se faz bom tempo eles veem. Se faz mau tempo eles vão.”

Agora, dia 20, a manifestação da esquerda, onde também, certamente, não vai faltar a extrema e com bandeiras nada favoráveis ao governo. Aposto que o Joaquim Levy vai ser o Judas a ser apedrejado quando, na manifestação do dia 16, não se viu ninguém gritando contra ele ou faixas responsabilizando-o diretamente.

Na página de meu facebook, chamou-me atenção o post angustiado de uma sobrinha, certa de que o Brasil está mergulhado em sua pior crise econômica, como sugere, dia após dia, a grande imprensa. Aí vai o que lhe respondi no face.

“Querida sobrinha, eu lhe digo que não há razão para tanto pessimismo. O Brasil passa realmente por uma crise, mas longe de ser a pior da História recente. Em termos históricos, recente abarca pelo menos umas três gerações e a tendência nossa é confundir o tempo desse processo com nossa própria existência. Sem falar que existe o “esquecimento”, deliberado ou não, das mazelas do passado. Para a vida do indivíduo é o aqui e agora que interessa.

 

Em toda a História da Republicana, estamos vivendo o seu melhor momento quanto à liberdade individual, onde se pode organizar sem nenhum constrangimento panelaços e manifestações e até se referir à presidenta com palavras de baixo calão. Prega-se abertamente o golpe e também o outro lado não tem nenhum constrangimento de manifestar. Além do mais, a corrupção nunca foi atacada como está sendo agora em toda a História do Brasil. Décadas atrás era inconcebível colocar na cadeia os presidentes das maiores construtoras do País e a corrupção, endêmica ao Poder, era certamente maior.

Não concordo com a delação premiada abusiva da Operação Lava a Jato, mas é inegável que ela sacudiu as estruturas da impunidade, quando políticos não tinham constrangimento em dizer de peito aberto: “roubo, mas faço”. Mas não tenha dúvida, corrupção e poder são como unha e carne, outros métodos serão desenvolvidos. Mesmo agora, os lucros astronômicos dos bancos num momento de crise são roubos quase a mão armada perpetrados pelas instituições financeiras e, contra as quais, Aldo Moro não pode fazer nada, pois são “legais”, com todas as aspas que quiser.

Quando eu era criança, ainda durante a Segunda-Guerra Mundial, enjoei-me de comer bolo de fubá, pois não era possível importar farinha de trigo para fazer pão. E o Brasil ainda vivia sob a ditadura feroz de Getúlio Vargas, usurpador de uma revolução para derrubar de vez a  República Velha moribunda com seus coronéis do café com leite, controlando os eleitores como se tangendo gado.

Na Nova República, a partir de 1945, continuaram existindo os quarteis eleitorais por pelo menos 15 anos, onde ainda se podia comprar um voto por um par de botina. Os currais eleitorais desapareceram  e no lugar deles surgiram os currais eletrônicos comandados pelas grandes redes.

Na frente das liberdades individuais havia muito mais restrições do que agora. E falo do tempo anterior ao golpe.  Pio XII, papa de 1939 e 1958 e autor da Concordata com Mussolini assinada por seu antecessor Pio I, tinha um discurso de dar inveja à bancada evangélica. Discurso e ação. Minha infância foi ditada pelo Lar Católica, porta voz da Igreja que se julgava acima do Estado.

A miséria e a fome atingiam um grau que poucos jovens de hoje sequer imaginam. Mesmo a falta de conforto para  a classe média no interior seria  de dar asco: tinha-se um pinico debaixo da cama e as necessidades se faziam diretamente numa fossa no quintal.

Hoje, na Internet, ainda há gente que louva essa época. O eterno saudosismo dos que têm medo do progresso. Mas o que me cansa mesmo, hoje, é o discurso nas redes sociais e na grande imprensa conservadora de que o Brasil atingiu o fundo do poço, que nunca se viveu época pior e mais corrupta do que agora.

Esquece-se que o Brasil na última década passou de devedor a credor do FMI, que a miséria diminuiu e o País chegou a ser a sexta economia do Planeta. Mas, não. Estamos no fundo do poço. No pior momento da História do Brasil. No mais visível, esse discurso vem da massa, que é manipulada, mas não saiu do nada.

Há gente com interesses espúrios, golpistas, preparando esse discurso linha por linha, taxando de comunista o governo do PT, quando ele mal chega a ser socialdemocrata e tem no comando da economia um Joaquim Levy com a mesma política neoliberal que Armindo Fraga executaria sob Aécio Neves.

É nojento a maioria dos interesses por trás da manifestação realizadas dia 16 de agosto com o interesse declarado dar um golpe. Se eu estivesse no Brasil eu iria na manifestação do dia 20, junto aos movimentos sociais, os sem-terra, os sem-teto, os sindicatos e outros grupos críticos aos rumos do governo, mas que não propõem a marcha à ré da História com golpismos fora do tempo.”

Tarcísio Lage, jornalista, escritor, começou na Última Hora de Belo Horizonte no início dos anos 60. Com o golpe de 1964 teve de deixar a cidade e o curso de Economia na UFMG. Até 1969, quando foi condenado pela Injustiça Militar, trabalhou em várias redações do Rio e São Paulo. Participou da tentativa de renovação da revista O Cruzeiro e da reabertura da Folha de São Paulo, em 1968. Exilado no Chile no final de 1969, trabalhou, em seguida, em três emissoras internacionais: BBC de Londres, Rádio Suiça, em Berna, e Rádio Nederland, em Hilversum, na Holanda, onde vive atualmente. As Tranças do Poder é seu último livro.

Direto da Redação é um fórum, editado pelo jornalista e escritor Rui Martins