A coligação PT/PCdoB/PRB largou na frente e apresentou seu programa de governo. Este logo foi acusado de genérico, de não romper com modelo neoliberal, pela esquerda, e de não satisfaze-lo, pela direita, embora esta recuse o rótulo.
Na verdade, a maior parte da população não liga para programas, e nisso, como dizia Machado de Assis, pode haver mais erro do que acerto. Mas há algum acerto, o da percepção de que programas são declarações pró-forma, e que suas palavras, sejam quais forem, só adquirem sentido diante do currículo e da história dos candidatos e dos partidos.
Quem se engalfinha em torno das palavras de um programa são os militantes e afiliados; os da esquerda, em geral, sobre o que o programa deve dizer; os da direita, hoje em dia, pelo que o programa não pode nem deve dizer, já que todo o seu ideário, em que continuam crendo e pretendendo por em prática, está na UTI da história latino-americana, completamente anacrônico diante da nova realidade do continente.
Portanto, ao analisar um programa, o que se deve olhar é a história que ele contém e a que ele projeta para o futuro.
O programa lançado é retrato fiel das transformações por que passou o maior partido da coligação, o PT, antes e depois de seu líder maior ser guindado à Presidência da República. Não adianta ficar esmiuçando parágrafos, como se fossem hieróglifos do futuro. Pode-se apontar algumas novidades ou novas intensidades. Por exemplo, é interessante ler o capítulo referente à “Ampliação da Democracia”, onde se fala da necessidade de uma reforma política, do Estado e do Judiciário, como base e resultado de um processo de universalização da cidadania. Ou ainda ler sobre uma idéia – ainda vaga, mas de presença necessária – de uma democratização dos meios de comunicação.
A política externa também merece destaque, pela ousadia de declarar uma “inserção soberana no mundo”. No campo da Cultura, o programa fala de consolidar um Sistema Nacional nessa área, assim como da Segurança. Também se fala na criação da Super Receita, unificando o sistema de fiscalização e combate à sonegação. Uma iniciativa importante é a de “reconstruir a indústria bélica nacional, de forma articulada com os países da América do Sul”.
Há outras iniciativas apontadas ao longo das 30 e poucas páginas do programa. Mas o seu fulcro, o que pode revelar o vetor que lhe dá unidade, está na página 5, em dois parágrafos. Depois de assinalar os efeitos nefastos do estado de crise permanente provocado pelos princípios neoliberais aplicados (sem usar este termo) por governos anteriores, diz:
“Frente a essa realidade o Governo Lula apontou o caminho da mudança. Depois de quase três décadas perdidas, o Brasil ingressou numa etapa de desenvolvimento sustentável. As mudanças são visíveis, como atestam principalmente a expansão do emprego e da renda de milhões de brasileiros.
Caberá ao segundo mandato avançar mais aceleradamente no rumo desse novo ciclo de desenvolvimento. Um desenvolvimento de longa duração, com redução das desigualdades sociais e regionais, respeito ao meio ambiente e à nossa diversidade cultural, emprego e bem-estar social, controle da inflação, ênfase na educação, democracia e garantia dos Direitos Humanos, presença soberana no mundo e forte integração continental”.
Isto quer dizer que o programa prevê uma maior robustez administrativa por parte do Estado, como espaço público maior da nação. O Estado recupera ou intensifica os papéis reguladores e indutores de políticas que lhe foram tirados ou invertidos a partir da aplicação do Consenso de Washington. É uma política de administração do Estado voltada para a cidadania e o social. Ao mesmo tempo, é este o seu limite. Não é um programa de transformação.
Já não falo de uma transformação socialista, cujo horizonte ficou remoto. Mas mesmo de uma transformação das políticas de Estado que significasse redistribuição de renda. O programa aponta para uma transferência de renda
O Amo e o Senhor
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Publicado terça-feira, 5 de setembro de 2006 as 11:30, por: CdB