O carregador de maletas de Havana

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Publicado quarta-feira, 9 de agosto de 2006 as 12:52, por: CdB

Fidel Castro é o dirigente político no poder por mais tempo em todo o mundo. Recordo-me de um carregador de maletas no aeroporto de Havana que, nos anos 80, insistia em provar-me que Fidel era o maior líder de toda a história. Citava a Lênin, a Stalin, a Roosevelt, a Mitterrand, a vários outros que conhecia e havia estudado. Fidel ganhava de todos, por seu profundo contato com o povo, pela dimensão do que representava uma pequena ilha como Cuba, ao desafiar o maior poder no mundo. Jamais ele pensou, como a maioria da população cubana, possivelmente a mais politizada em todo o mundo, ver em Fidel uma expressão de violência, de imposição, de ditadura.

No entanto, em grande parte do mundo ocidental, vê-se na mídia diária uma imagem totalmente distinta de Fidel. Sempre ameaçador, sempre delirante, sempre disposto a defender as causas contrárias aos Estados Unidos; sempre disposto a manter-se no poder sem limites. Quantas coisas terríveis lhe são atribuídas, e se alguém diz algo contra, é bombardeado com tantos adjetivos e desqualificações que chega a parecer um extraterrestre. Tem o microfone desligado, suspendem a entrevista na TV, suprimem as colunas da grande imprensa e assim sucessivamente.

Acompanho com detalhes a revolução cubana desde a minha juventude.

Li os discursos de Fidel desde a época da Sierra Maestra. Estudei todas as suas declarações. Convivi com pessoas que foram ver a revolução cubana em seu berço. Até que, mais tarde, por razões várias, o conheci pessoalmente no Chile da Unidade Popular. Desde então, foram muitas as oportunidades em que lidei com ele mais diretamente. Não sei se posso dizer que sou seu amigo, pois estivemos juntos sempre em conversações políticas, mesmo em ambientes restritos. Porém, tenho um sentimento de tê-lo como companheiro de lutas, um companheiro atento e sempre muito educado, muito sensível, muito preocupado com seus companheiros e amigos, com as pessoas em geral e com a humanidade como um todo.

Se Fidel tem algo que ver com um ditador, que bons seriam os ditadores.

Conheci a muitos políticos de várias orientações, fora e no poder. Nenhum tem ou teve a profundidade intelectual e a dimensão humana de Fidel Castro. Nenhum consegue manter o estudo sistemático de um problema por horas e horas em todos os seus detalhes e em todos os seus aspectos como Fidel.

Nenhum é capaz de manter-se em uma reunião acadêmica por algumas horas, muito menos por várias horas diárias (desde as nove da manhã até a meia-noite, como o vi manter-se em várias oportunidades). E se é verdade que quando começa a falar é muito difícil fazê-lo calar-se, também escuta, anota, responde exatamente o que lhe é perguntado e tantas outras manifestações de respeito humano e de consideração ao trabalho intelectual. Porém, sobretudo, é o único político em nível de chefe de estado que admite debater abertamente com os que divergem de seus pontos de vista.

Certamente nenhum dirigente democrático que conheci tem essa qualidade.

Na realidade, ele é o único que a pratica amplamente, com paixão e rigor, com autenticidade. Devo corrigir: está surgindo um novo líder político com essa qualidade. Trata-se de Hugo Chávez. Vamos ver se conseguirá mantê-la por muito tempo, até os oitenta anos, como Fidel Castro. Creio que é o primeiro discípulo de Fidel com esta característica, que explica, em grande parte, sua longa permanência no poder.

É estranho que Fidel não se dirija a seus subordinados com palavras de baixo calão e com ordens impositivas, como acontece nas democracias em vários níveis. Quantas vezes eu escutei explicações de amigos no poder que diziam que de outra forma não seriam respeitados. Convivi muito com subordinados que gostam da imposição do superior como forma de escapar das responsabilidades, como oportunismo e carreirismo.

Com certeza, há muita gente assim em torno de Fidel. Porém, ele não parece necessitar da violência verbal para impor-se. Contam am