Não é a primeira vez que o presidente da República se reúne com os governadores, para a discussão das reformas a serem encaminhadas ao Parlamento. Essas reuniões já se fizeram algumas vezes, e a mais importante delas, exatamente porque não teve conseqüências práticas para evitar o golpe militar, foi a de Araxá, em 1963. Tratava-se, então, de discutir reformas mais profundas, como a Reforma Agrária, a Reforma Bancária, a Reforma Urbana, e a Reforma Tributária.
A outra reunião de governadores, que se seguiu, foi em abril de 1964 – para aceitar a escolha militar do general Castello Branco como “presidente” da República e impô-la aos amedrontados congressistas. Alguns deles diria “não”. Um dos que negaram apoio à farsa foi exatamente Tancredo Neves – o único do então PSD a fazê-lo, apesar dos apelos de Juscelino, que seria uma das vítimas do preclaro marechal.
Sarney também reuniu os governadores, sem muito êxito. Mas os governadores que se encontraram com Lula, quarta-feira, na Granja do Torto, saíram satisfeitos com o Presidente. Entenderam que é sincera a sua preocupação em ouvi-los e em entender que é preciso reforçar os laços federativos. A ditadura centralizadora poderá sobreviver por algum tempo mais, mas se durar mais do que o suportável, conduzirá a movimentos separatistas e à desobediência civil.
Um novo pacto federativo imporá ordem constitucional ao processo. Hoje, governadores de mais prestígio político, ou maior poder de pressão, obtêm dos recursos gerais da Nação mais do que os seus Estados oferecem. Esse tratamento assimétrico corrompeu a Federação, levando-a a uma crise que só tende a agravar-se.
Comecemos com uma coisa simples: os royalties pela exploração do petróleo. Tratou-se de uma deformação do pacto federativo, por mais bem intencionados tenham sido os seus patrocinadores. Qualquer estado que ofereça seus recursos naturais à exploração deve também ser recompensado. Nesse caso, Minas Gerais, o Pará e o Paraná seriam beneficiados, entre outros. Não só Minas e o Pará contribuem com os minerais, como Minas, o Paraná e o Pará são os maiores produtores de energia hidrelétrica no País.
Quando o pacto federativo de 1891 estava em pleno vigor, os Estados tinham as prerrogativas constitucionais de tributar livremente as riquezas geradas em seu território. Foi graças a essa prerrogativa, por exemplo, que os mineiros conservaram as suas jazidas de ferro, impedindo que a Itabira Iron delas se apossasse, ao taxar fortemente as exportações do minério e ao desonerar o minério que fosse industrializado ali mesmo. A Cia. Vale do Rio Doce só pôde surgir, trinta anos depois, graças a isso.
As assembléias constituintes sucessivas, desde 1934, têm simplesmente ignorado o pacto de 1891, e a Federação veio minguando-se, enquanto crescia o poder dos burocratas da União. Não vai ser fácil vencer o conservadorismo dos que, sai governo, entra governo, continuam mandando em Brasília. A respeito, vale lembrar a observação de um contemporâneo do imperador Constantino, ao explicar porque o paganismo continuava firme depois da adoção do cristianismo como religião do Estado: “os burocratas são o maior entrave conservador em qualquer reino”. Isso, há quase 1.700 anos.
Muitos dos governadores confessaram sua esperança de que continuem a ser ouvidos, e que realmente se discuta o redesenho institucional da República Federativa, antes que o sistema acabe, seja pela definitiva conversão do País em Estado Unitário, seja pela anarquia institucional a que a ditadura burocrática de Brasília acabará provocando.
Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, “Mar Negro” (2002).