O segundo governo da presidente Dilma Rousseff foi inaugurado pela mídia na segunda-feira, com a oposição declarada à proposta que ela fez no discurso da vitória, de um plebiscito como processo para a reforma política.
Os jornais foram buscar os elementos-chave no PMDB para vocalizar a tese de que o Congresso Nacional não vai aceitar a manifestação soberana da sociedade – poderia, quando muito, tolerar que uma deliberação gerada no Parlamento venha a ser referendada pelo voto direto dos eleitores.
Por que a imprensa não usou os costumeiros porta-vozes do PSDB como ventríloquos da vontade das redações? Porque o partido derrotado na eleição presidencial está em recesso, com as feridas ainda em fase de cicatrização, e torna-se politicamente interessante explorar as divisões produzidas no principal aliado do governo durante a campanha.
O PMDB, herdeiro do “Centrão” – núcleo de aves migratórias sempre em busca de um bom poleiro no poder – sabe a força que pode ter, se contar com o apoio da mídia tradicional. Ao se oferecer como amplificador das demandas do PMDB no novo ajuste das forças que se movimentam em Brasília, a imprensa tenta recuperar pelo menos uma fração da influência que desperdiçou ao apostar todas as fichas no candidato tucano.
Agora, trata-se de reduzir a liberdade de movimentos da presidente reeleita, e a tática mais eficiente será cooptar aquela parcela da aliança governista que mais se parece com a oposição. O objetivo é evitar a qualquer custo que o descrédito das representações partidárias – sempre avessas a mudanças no sistema político – venha a estimular o protagonismo direto da sociedade.
Há muita controvérsia em torno da tese do plebiscito, que agrada à fração mais à esquerda do espectro político e provoca náuseas entre os conservadores. A rigor, trata-se de uma operação de alto risco, uma vez que as melhores intenções podem ser viradas do avesso numa campanha aberta, sujeita às mesmas manipulações que marcam as disputas eleitorais.
A ideia lançada pela presidente reeleita foi um balão de ensaio. Seu objetivo é comprometer as forças políticas com a reforma.
A paranoia do controle
Ao se antecipar na tentativa de abortar o plebiscito, a imprensa morde a isca: coloca um empecilho para a fórmula da deliberação direta por parte da sociedade, mas deixa espaço para o debate sobre o que realmente importa – modernizar o sistema representativo, reduzindo a vulnerabilidade dos partidos e criando instrumentos para conter a corrupção na origem. Ao mesmo tempo, pode-se discutir um projeto que defenda a sociedade das manobras desonestas da própria mídia sobre o processo democrático.
O leitor e a leitora que interpretam criticamente o conteúdo da mídia podem observar, na terça-feira (28), como se cristaliza uma mudança no estilo dos principais meios de comunicação do país. Desde a capa da revista Época, que aposta numa edição especial sobre a eleição, até o editorial do jornal O Estado de S. Paulo – o único dos grandes veículo que declarou oficialmente seu voto, ainda que no final da disputa –, o tom geral é de conciliação.
Época usa a imagem do sul-africano Nelson Mandela como sugestão à presidente da República de uma política de convergência diante de desafios que, segundo a imprensa, o governo terá de enfrentar. No entanto, o discurso conciliador não esconde o verdadeiro temor dos donos da mídia: o primeiro editorial da revista acena com a ideia de que “somos um só Brasil”, mas as páginas seguintes desfilam críticas ao que se tornou um mantra da imprensa partidarizada: na opinião da revista, o “lulopetismo” quer o “controle social da mídia”. O modelo, segundo o editorial, seria “o bolivarianismo de Hugo Chávez, na Venezuela” e seu objetivo não é democratizar a comunicação, “mas antes cercear a imprensa livre e independente”.
Puro delírio paranoico.
Os controladores da mídia tradicional gastam energia à toa: a presidente Dilma Rousseff nunca foi adepta de uma regulamentação das atividades da imprensa, nos moldes em que a questão é discutida nas redes sociais e nos manifestos de alguns grupos do Partido dos Trabalhadores e seus aliados mais à esquerda.
A estratégia evidente do núcleo de comunicação do governo petista é cooptar o que puder com as verbas da publicidade oficial e apostar no desgaste natural da imprensa provocado pelo jornalismo panfletário.
Ainda tem gente no governo sonhando com as páginas amarelas de Veja.
Luciano Martins Costa, é jornalista e escritor.