O futuro do Partido Dos Trabalhadores

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Publicado domingo, 7 de junho de 2015 as 12:16, por: CdB

Imagina você ter ajudado a fundar um partido político há 35 atrás e ouvir hoje que este partido está em crise, está numa encruzilhada sobre seu futuro, segundo quase todo mundo, e até sobrevivência, para alguns. O que aconteceu ou está acontecendo três décadas depois?

 

Rep/Web

 

Você olha para trás e dá-se conta que em 10 de fevereiro de 1980 o contexto e a conjuntura eram muito diferentes do contexto e da conjuntura de 05 de junho de 2015. Em 1980, lutava-se contra a ditadura e por Diretas-Já, que só viriam em 1989, quando o partido que você ajudou a fundar já tinha nove anos, estava indo para a pré-adolescência. O partido foi criado para ajudar a mudar o Brasil e o mundo, fazer política de verdade, colocar os trabalhadores e os excluídos na cena política, fazer raiar a democracia, lutar por justiça, igualdade, política igual a bem comum, a ética, a solidariedade, todas e todos companheiras e companheiros, irmãs e irmãos numa sociedade igualitária e fraterna. Em 1980, tudo parecia estar (re)começando. A luta era nas ruas, nos sindicatos, nas fábricas, no campo, nas Universidades. O debate fervilhava e os generais não conseguiam segurar o povo e as ideias.

Você se pergunta em 2015: o casamento acabou? O amor se esfumaçou, virou rotina, o mesmo de sempre todos os dias, sem sal, sem doçura? Acabou o encanto, o brilho no olhar?

Seu partido foi acometido pela lei de ferro da oligarquia, como escreveu (e profetizou) Robert Michels em 1911, na Sociologia dos Partidos Políticos? “Qualquer organização de massa tende inexoravelmente à oligarquização de sua direção e à centralização burocrática. A organização e as fontes de onde nasce o domínio dos eleitos sobre seus eleitores, dos mandatários sobre seus mandantes, dos delegados sobre os que delegam. Quem diz organização, diz oligarquia”, disse Robert Michels.

Seu partido criou o Orçamento Participativo e os governos populares, o povo decidindo diretamente sobre os recursos públicos. Seu partido, com aliados, governa o país pela quarta vez seguida. Os governos do seu partido propuseram políticas de enfrentamento à fome, à miséria, à pobreza, elogiadas em todo mundo e inéditas na história brasileira, diminuindo a concentração de renda, dando vez e voz a quem nunca teve vez nem voz. Seu partido instituiu a paridade entre homens e mulheres nas suas instâncias de direção. Colocou um operário e agora pôs uma mulher pela primeira vez na Presidência da República.

Mas seu partido está em crise, está numa encruzilhada. Onde estão seus sonhos, sua utopia? Onde está a ética? Onde está a participação dos jovens e dos trabalhadores, fundadora e fundante? Onde o programa de mudanças, a transformação estrutural?

Seu partido estará realizando seu 5º Congresso em Salvador, de 11 a 13 de junho, com 800 delegados de todo país. Parte do Brasil e dos brasileiros querem que seu partido saia da crise e da encruzilhada e estão na esperança. Parte do Brasil e dos brasileiros querem mais que se exploda no ódio e na intolerância e o proclamam todos os dias nas redes sociais.

É verdade que os tempos não andam fáceis para os partidos políticos no mundo inteiro. As formas tradicionais de fazer política e a democracia representativa estão em crise, estão numa encruzilhada. Mas isso não pode servir de desculpa nem resolve os dilemas.

Qual o futuro, Partido dos Trabalhadores? Não é possível voltar a 1980. Os tempos são outros. Futuro é futuro e está aberto. E parece haver brasas debaixo das cinzas. O Papa Francisco não está sacudindo a poeira e as estruturas carcomidas da igreja católica, quando ninguém esperava? Nenhuma instituição morre necessariamente por inanição. O amor pode sempre se renovar. A burocracia pode ser varrida do mapa. Os sonhos e a utopia ainda estão e podem ser vistos no horizonte.

Porque não dá para fazer política, participar de eleições, sustentar um partido tirando dinheiro do próprio bolso, como tantas e tantos fazem nas suas sociedades, nos seus clubes, nas suas igrejas, nas suas comunidades? Por que não debater coletivamente um projeto de desenvolvimento e um projeto de sociedade? Por que não animar/reanimar filiados e militantes? Por que não atualizar o programa democrático-popular? Por que não assumir as reformas estruturantes – a política, a tributária, a agrária, a dos meios de comunicação – e torná-las bandeiras de unidade? Por que não abraçar a Pátria Educadora e torná-la não só palavra, mas prática nas lutas, nas mobilizações, nas ruas, nas associações de bairro, nos grupos de base, na alfabetização crítica, na pedagogia libertadora? Por que não reunir movimentos sociais, organizações populares e pensar juntos o futuro?

Há tempo para afastar as cinzas e dar espaço para as brasas tornarem-se labaredas e fogo. E aquecer corações e mentes.

Selvino Heck, é diretor do Departamento de Educação Popular e Mobilização Cidadã e Secretaria Geral da Presidência da República. Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO).