O populismo é um câncer antigo

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Publicado Segunda, 15 de Fevereiro de 2021 às 01:05, por: CdB

O Populismo - que grassa hoje pelo Brasil, aquele contato direto com o povo feito pelas redes sociais que gerou as fake news - “É algo bem antigo no mundo, sendo apontado pelos gregos como um câncer que corrói a democracia ou, na República Romana, um crime cuja pena era o banimento”.

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O populismo, que destrói a democracia, é coisa antiga
Política foi inventada para organizar o caos mas quase esquecemos disso nas areias movediças onde afundamos um pouco todo dia. Vale a pena mergulhar em Três Mil Anos de Política (Edições de Janeiro, 2020) onde José Luiz Alquéres conta a história desde os inventores da democracia: os gregos. Na primeira linha do prefácio, José Roberto de Castro Neves já avisa “idiota era aquele cidadão que não se importava com política”. Era dever do cidadão participar da administração pública. Interesse-se, pois. Platão (427-347 a.C.) dizia que quem não gosta de política será governado por quem gosta. Platão, autor dos textos políticos mais antigos, difundia diálogos hipotéticos de seu mestre Sócrates, acusado de corromper a juventude de Atenas introduzindo falsos deuses e forçado a tomar cicuta. Prova de que fazer política nunca foi fácil. Bom narrador, Alquéres, engenheiro, empresário e editor formado em Sociologia, faz da escrita uma minissérie e você descobre como chegamos até aqui. Os personagens são Aristóteles, Santo Agostinho, Spinoza, Montaigne, Descartes, Elias Canetti, Hannah Arendt, Marx, Fidel… E o começo da história foi estabelecer deveres e restrições, forma que os homens encontraram para não se devorarem uns aos outros convivendo na polis (cidade), origem da palavra política. Tanto a Bíblia como a Ilíada de Homero, escritos no século 7 a.C., tratam da cultura política. A partir da Bíblia, o poderoso vai sendo substituído por faraós e os reis, cada um enfrentando seus Lúcifers. No poema épico da Grécia Antiga, Ilíada, já há tentativas de compra do juiz no julgamento de Páris, e o amor provocando guerras. É o amor por uma mulher casada com o inimigo (rei grego) que resulta na Guerra de Tróia, com o célebre cavalo (presente de gregos) para trazer Helena de volta. Aristóteles, aluno de Platão que foi o mestre de Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), nunca se separou de sua cópia da Ilíada. Já estava tudo ali, corrupção, cobiça, paixão, mentiras, intrigas — tudo pelo poder, deuses do Olimpo ou homens na terra. Inclusive as festas, traições e compras de políticos como presenciamos no Congresso brasileiro em 2021. Talvez um pouco do similar de Novichok, veneno dos serviços secretos russos. E uma boa dose de fake news nas guerras, onde todos os lados mentem. A capa do livro reproduz a pintura de Cesare Maccari do Senado Romano onde Cícero, Cônsul no ano 63 a.C., denuncia com um famoso discurso a tentativa de golpe de Estado tramado pelo seu adversário, o senador Lúcio Catilina: “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência”. A prática política proposta por Confúcio (551-479 a.C.) permanece até hoje na China. O ponto fundamental, um governo laico, ético. Quanto sangue correu no mundo pela dificuldade até hoje de se manter esses princípios. O equilíbrio entre autoridade e liberdade, e a necessidade de alternância de poder, passando pela política na Índia, A República e o Império Romano — na configuração iniciada por Júlio César e consolidada por Augusto —, o livro disseca a História sem esquecer filósofos como Sartre, ditadores como Stalin e Hitler. É inevitável que as democracias morram? Como o fundamentalismo religioso tornou-se inimigo da democracia? Ali está o pensamento político medieval e o da Idade Moderna, quando o Brasil entra na história e o mundo já ia longe. Reforma, Renascimento, Revolução Científica, as Grandes Revoluções como a Francesa — nada ficou de fora neste livro que é quase uma enciclopédia. Nem os regimes instaurados quando a política desceu do céu para a terra: Presidencialismo, Parlamentarismo, o Fascismo incluindo o nosso particular (Integralismo), o Neoliberalismo. O Nacionalismo, cívico, supraétnico, que pode descambar para o isolacionismo e passou a ser usado depois da Revolução Francesa, cresceu com o capitalismo até chegar à xenofobia e ao fechamento de fronteiras com a islamização da Europa. O Populismo — que grassa hoje pela parte do globo que nos cabe, aquele contato direto com o povo feito pelas redes sociais que gerou as fake news — Alquerés trata no sentido pejorativo, como “uma forma eivada de falsidades para conquistar eleitores pouco atentos com promessas impossíveis de serem cumpridas”. “É algo bem antigo no mundo, sendo apontado pelos gregos como um câncer que corrói a democracia ou, na República Romana, um crime cuja pena era o banimento”.  Alquéres ilustra o termo com o personagem Júlio César, “tido como um populista manipulador das massas plebéias”. Fez história. O papel do Estado, o mercado, as empresas — agentes econômicos somos todos —, a globalização e o século XXI. O livro de 230 páginas é uma mini-série em capítulos curtos e densos, escritos com aquela leveza de quem sabe escrever e, como dizia Otto Lara Rezende, não humilha o leitor com sua cultura. Didático mas dando muito prazer e pena de chegar ao fim, tem horas que repetimos como o comandante gaulês Breno aos romanos derrotados por ele há quase dois mil anos, “Ai dos vencidos” — como José Carlos Sussekind lembra na contracapa. Pela política, quanto sangue derramado inclusive nesta “cintura cósmica do sul, a região mais vegetal do vento e da luz” como no canto de Mercedes Sosa (Canção de Todos), a América Latina. Darcy Ribeiro dizia que a coisa mais importante a fazer era inventar o Brasil: o povo brasileiro nasceu sob o signo da Utopia. Na mensagem de Alexei Navalny, que não temeu voltar para casa na Rússia depois de ter sido envenenado, provocou manifestações e se tornou um kamikaze para Vladimir Putin que o encarcerou agora, “se querem mudança, têm de perder o medo”. Coragem. José Luiz Alquéres espera que Três Mil Anos de Política estimule seus leitores a abraçar a participação na política, único caminho para reduzir a desigualdade social. E para nos lembrar cita Simone Weil, “Nada no mundo pode impedir o homem de se sentir nascido para a liberdade”. Por Norma Couri, jornalista, publicado no Observatório da Imprensa. Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.

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