Quem leu minha coluna “Os homens cordiais”, de dias atrás, sabe como critiquei o enredamento em que se pôs o governo federal devido à falta da energia própria aos estadistas que grassa em nossa cordialidade pouco republicana. Faltou aquela energia tanto para resolver o caso de Waldomiro Diniz antes que ele acontecesse, quanto para enfrentar a artilharia depois que a gravação com Carlos Ramos, o Cachoeira, veio a público. Sinto-me então muito à vontade para comentar aspectos novos trazidos à baila com a exposição, no Jornal Nacional de 30 de março, de nova fita, desta vez gravando diálogo entre o subprocurador José Roberto Santoro e Cachoeira.
Em primeiro lugar, observemos a revoada de fitas que assola o país. Estamos todos a muito perigo: eu decidi só me comunicar com a faxineira que trabalha em minha casa por escrito, e assim mesmo em sânscrito do século XII. Em segundo lugar, observemos a razão dada pelo subprocurador para ter uma conversa daquelas, às três da manhã, numa madrugada de domingo para segunda: zelo no cumprimento do dever! Incrível: o subprocurador deveria merecer o prêmio de funcionário público do ano, senão do novo século!
Santoro chama a conversa de “tomada de depoimento”. Mas uma tomada de depoimento é um instrumento público, lavram-se atas, tomam-se assinaturas, colhem-se informações, há testemunhas idôneas, mesmo que se exija sigilo ou segredo. Testemunha houve, tanto que está aí a gravação. Ao mesmo tempo, somos informados que a conversa ou depoimento durou quatro horas – e, no entanto, apenas vinte e oito minutos foram gravados! Mas o mais surpreendente está na imprensa matutina de 31 de março: havia mais testemunhas da conversa ou depoimento!
Diz a reportagem da Folha de S. Paulo (pág. A5): “Além de Santoro participou da reunião (sic!) [o grifo é meu, e grifei porque a palavra é muito significativa] o procurador Marcelo Serra Azul, autor da denúncia formalizada anteontem contra dirigentes da Caixa [Econômica Federal – o grifo também é meu], Waldomiro [Diniz], Rogério Buratti (empresário petista e ex-assessor do hoje ministro da Fazenda Antonio Palocci) e representantes da multinacional GTech.”
Nossa e mais nossa! O prêmio “Zelo Funcional 2004” deve ser estendido a tão cívicas testemunhas dessa conversa madrugadeira! O que estava fazendo lá todo esse mundo de gente? E se aquela “conversa”, ou “depoimento”, ou ainda “reunião” era tão pública assim, por que o subprocurador demonstra tanto receio de que o procurador-geral Cláudio Fonteles os surpreenda em tal demonstração de civismo e zelo profissional? E por que essa parte do, digamos, “encontro”, não foi gravada?
São perguntas sem resposta plausível. Pelo menos até agora.
Flávio Aguiar é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior.