O tenentismo de toga

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Publicado Quinta, 01 de Dezembro de 2016 às 06:33, por: CdB

É preciso muito discernimento e responsabilidade nestas horas de crise de governo. Sabe-se como elas evoluem, não se sabe como terminam– mais provavelmente em detrimento dos interesses da nação e do povo brasileiros

Por Walter Sorrentino - de Brasília:

As palavras são perigosas, data vênia à ilustre Ministra Carmem Lúcia, presidente do STF. O país precisa de Justiça e a Justiça precisa se amparar na Constituição. Certíssimo. Daí o direito às garantias individuais, direito ao legítimo processo penal e tantas outras coisas do Estado de direito democrático.

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O tenentismo de toga

Há muitos juristas, respeitáveis, quero crer que aos olhos da própria Presidenta do STF, que afirmam estar se insinuando medidas de Estado de exceção no Estado de direito. É um debate não só legítimo, Mas inteiramente agudo na presente situação. Precisa de respostas, não de arengas venham de onde for.

Carmem Lúcia alertou que toda ditadura “começa rasgando a Constituição”. Certíssimo, também. Referia-se à tentativa de “criminalizar o agir do juiz brasileiro”. Há exagero e, talvez, aleivosia na afirmação, em reação às aleivosias alheias. Bem explícitas por parte de políticos que, não obstante, não “são todos iguais”. A temperatura e pressão estão em alta.

Porque, por outro lado. Há fortíssimas opiniões no mundo jurídico e dos advogados quanto ao cerceamento de direitos nos processos da Lava Jato. E forças comprometidas com os interesses maiores do Brasil no mundo político, mesmo que com agendas antípodas entre si. É  próprio da democracia.

Não bastasse isso, o principal é que exatamente o oposto parece estar comprovado na oratória dos próprios agentes. O MP e outras áreas do estamento burocrático do Estado brasileiro escolheu como alvo o conjunto do sistema político. Depois de se mostrar seletiva no modo de condução dos processos. Falam política e judicialmente fora dos autos, como requer a Constituição e a larga tradição de Justiça.

Quer dizer, porque não se debate essencialmente que em grande medida a Justiça se politizou facciosamente e “criminaliza todo o sistema político”, parafraseando a Ministra Presidenta pelo outro lado da moeda. Isso também pode ser um “rasgo” na Constituição, pois não?

Aliás, falar em rasgar a Constituição leva as coisas ainda mais para o impasse. Porque a atual agenda do governo – e o STF provavelmente não desconhece isso – é exatamente o desmanche da veneranda Constituição de 88 em aspectos nevrálgicos. Também porque o governo foi alcançado por um impeachment cujos resultados são os de agudização da crise geral que vive o país.

STF

Dizer que a “norma” foi seguida nesses casos não é suficiente nestas horas, porque claramente não dá conta da crise política e institucional entre o estamento burocrático e o estamento político. Estamentos não são instituições. São estas que precisam ser asseguradas quanto à sua higidez. Isso morre se a ação de seus responsáveis for corporativa gremial.

O que é indigno, venha de onde for, e que deixa a cidadania estupefacta, é o cinismo de alegar que a crise vem unilateralmente do “sistema político” ao mesmo tempo em que este foi utilizado para um impeachment.

Ninguém nesse caso pode atirar a primeira pedra. Como se disse, é hora de mais estadistas, menos corporativismo gremial à frente das instituições.

Constituição

Quanto à Constituição, ao STF e ao Congresso, pode-se pensar que nada que seja mais perigoso para a democracia que o intento mitificado da redenção final, de “passar inteiramente a limpo” o sistema político. Sabe-se no que isso deu historicamente.

Há uma corrente que se pode chamar o tenentismo – nascido em outro momento de graves desencontros da nação na década de 1920 – um tenentismo de toga. Ela sugere exatamente isso, com o fervor dos obcecados e sentindo-se fortes para tanto, o que é ainda pior, porque extrapolam seu papel institucional e constitucional.

A função e âmbito da Justiça e do aparato burocrático do Estado – PF, MP, Judiciário – é bem definida, não pode nem deve ser extrapolada. Igualmente, a função de fazer leis é do Congresso, e isso também é respeitar a Constituição.

Voltando à Presidenta do STF: “A democracia depende de poderes fortes e independentes”. Não apenas: interdependentes, convergentes! "Juiz sem independência não é juiz”. Parlamentar eleito pelo povo sem independência não é parlamentar representativo!

O negócio é se respeitar, respeitar os recíprocos limites, e se entender. Fora disso, é insurgência, provenha de onde for.

Nesta marcha da insensatez melhor será a voz da razão, a voz serena em defesa da saída da crise e do entendimento de que só na democracia, no âmbito do sistema político instalado e das instituições existentes, se pode encontrar saídas. Instituições que não só se respeitam umas às outras nos termos constitucionais, mas que se reúnem e construam respostas equilibradas à situação.

Walter Sorrentino é médico e vice-presidente nacional do PCdoB.

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