Outras ilusões oficiais para 2015

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Publicado quinta-feira, 24 de abril de 2014 as 12:30, por: CdB
Os aspectos que mereceram mais destaques por parte da mídia são aqueles que oferecem maior impacto, do ponto de vista macroeconômico, para 2015
Os aspectos que mereceram mais destaques por parte da mídia são aqueles que oferecem maior impacto, do ponto de vista macroeconômico, para 2015

A Constituição Federal (CF) estabelece, em seu capítulo sobre Finanças Públicas, os instrumentos legais que o Poder Executivo está obrigado a encaminhar ao Poder Legislativo tratando de matéria orçamentária. O art. 165 lista os três projetos de lei a esse respeito, que devem ser apreciados e votados pelo Congresso Nacional. São eles: i) o Plano Plurianual (PPA); ii) a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO); e, iii) a Lei Orçamentária Anual (LOA).

A dinâmica de elaboração do Orçamento Geral da União (OGU) pressupõe, dessa maneira, que seja elaborada a cada exercício fiscal uma peça anterior à própria construção da LOA. Trata-se de uma lei que vai oferecer as regras gerais que nortearão todos os aspectos relativos ao tema do orçamento naquele ano específico. O parágrafo segundo desse artigo da Carta assim a define:

“§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.”

Por outro lado, o art. 35 do ADCT da própria CF determina o prazo de 15 de abril de cada exercício para que o Executivo encaminhe tal proposta a ser apreciada pelos parlamentares. Com vistas a cumprir com tal obrigação, o ritual de entrega foi cumprido na terça-feira da semana passada. E, na seqüência, os demais esclarecimentos foram prestados em uma entrevista coletiva à imprensa concedida pelos responsáveis das pastas da Fazenda e do Planejamento.

LDO e as previsões para 2015
Os aspectos que mereceram mais destaques por parte dos órgãos de comunicação são aqueles que oferecem maior impacto, do ponto de vista macroeconômico, para o cenário de 2015. Um dos parâmetros mais aguardados refere-se ao valor do salário mínimo para o ano que vem. De acordo com a regra legal vigente, o reajuste do piso da remuneração leva em conta a inflação do período anterior e o crescimento do PIB do ano atrasado. Assim, foi elaborado o índice de reajuste levando em conta o crescimento do PIB de 2013 e a expectativa de inflação para 2014. O índice de reajuste ficou em 7,71%, o que elevaria o valor atual do salário mínimo para R$ 779,79.

Outros elementos constantes no Projeto da LDO enviada ao Congresso referem-se aos parâmetros que serão utilizados para definir o ambiente macroeconômico para 2015. Esses dados são essenciais para os cálculos característicos desse tipo de cenário a ser extrapolado. Afinal, as leis orçamentárias trabalham, entre outros pontos, com valores relativos a receitas e despesas públicas. E essas variáveis dependem, fundamentalmente, do desempenho da economia de uma forma geral e da realidade verificada em alguns itens específicos do ambiente macroeconômico. Para chegar a tais números, o governo estabelece determinadas hipóteses e apresenta suas projeções para o ano que vem. Assim, lança aos ventos suas ilusões a respeito do comportamento da economia.

A ilusão do crescimento do PIB

O primeiro exercício de otimismo, como costuma acontecer nesses momentos, refere-se ao ritmo de crescimento do PIB. Caminhando na direção oposta das previsões de boa parte dos economistas e instituições de pesquisa, a proposta oficial do governo sugere uma elevação do Produto brasileiro de 3% ao longo do ano de 2015. Ora, independentemente da opinião que se possa ter a respeito dos candidatos às eleições de outubro próximo, o fato é que a agenda econômica real do vencedor para o ano que vem estará bastante comprometida pelas evoluções e (falta de) decisões do período atual, em especial no que se refere à política econômica. Assim, a partir de janeiro próximo haverá uma série de pontos a serem tratados, envolvendo a necessidade de medidas mais duras na área fiscal.

Levando-se em conta as pesquisas eleitorais realizadas até o momento, não se vislumbra quase nenhuma probabilidade de ruptura com o modelo neoliberal de ajuste via manutenção do tripé da macroeconomia. Com isso, mantém-se uma forte expectativa de preservação do arrocho na condução da política de gasto e arrecadação. A presidenta Dilma havia eleito a “austeridade fiscal” como seu pacto prioritário de governo, logo depois das manifestações de junho de 2013. Os candidatos de oposição mais bem colocados (Aécio e Eduardo/Marina) situam-se num espectro ainda mais conservador e contam com assessores econômicos de visão bem mais liberal.

Dessa forma, tudo o que se pode imaginar é que o ritmo da atividade econômica será bastante prejudicado pela tendência a priorizar o ajuste doloroso em detrimento da busca de desenvolvimento. Em razão desse quadro soa bastante remota a possibilidade de se alcançar um crescimento do PIB da ordem de 3%, tal como pretendido pela equipe de governo.

Os limites provocados pelo superávit primário

Outra previsão constante da LDO refere-se à meta de obtenção de superávit primário para o ano que vem. O discurso oficial aponta para algo em torno de 2,5% do PIB como esforço fiscal consolidado do País. Isso representa um montante estimado de R$ 143 bilhões para pagamento de juros e serviços do endividamento público. A parcela de responsabilidade exclusiva da União será de 2% – em um valor de R$ 115 bi – ficando o restante a cargo de Estados e Municípios.

Trata-se de um percentual mais elevado em comparação com aquele que deverá encerrar o ano atual: 1,9% do produto. No entanto, caso sejam mesmo confirmadas as condições acima descritas a respeito da preocupação com políticas de austeridade, o resultado do esforço fiscal poderá ser até mais significativo. De qualquer forma, o compromisso apresentado pelo governo ao encaminhar a proposição de LDO confirma a tentação pelo caminho da austeridade. A consequência primeira dessa trilha será o aprofundamento do quadro da estagnação da atividade econômica de uma forma geral. Assim, o impacto da meta de 2,5% como superávit primário será ainda mais grave para a maioria da população brasileira. Mais uma vez, a prioridade da política econômica será o atendimento dos pleitos e interesses do financismo, com corte de despesas orçamentárias nas áreas sociais e com a garantia de destinação de recursos públicos para o setor mais parasita da sociedade: o sistema financeiro, em prejuízo da atividade real e produtiva.

LDO: apenas um indicativo das dificuldades por vir

O Congresso Nacional tem o prazo de até 17 de julho para votar o Projeto da LDO aqui exposto. A tramitação do texto legal no interior da Comissão Mista de Orçamento (CMO) não deverá apresentar maiores dificuldades, inclusive pelo fato de estarmos atravessando um ano eleitoral. O único aspecto que poderá provocar algum tipo de ruído foi a decisão do Executivo de não incluir no texto o compromisso com a segurança de que as emendas parlamentares não sofrerão nenhum tipo de contingenciamento. É bastante provável imaginarmos que os parlamentares – deputados e senadores – integrantes da CMO pressionarão o Relator a recolocar um dispositivo no texto, de forma a atender aquilo que já havia sido negociado com seus pares junto ao núcleo duro do governo Dilma.

Apesar de a LDO apresentar uma importância menor do que a própria LOA na escala do impacto das decisões de política econômica, o fato é que as simples indicações apresentadas hoje em relação ao desempenho da economia em 2015 não podem ser negligenciadas. O governo oficializa, portanto, algumas das ilusões que tornar-se-ão públicas ao longo dos próximos meses. A proximidade das eleições acaba, de certa forma, por limitar a possibilidade de um discurso franco e sincero. Apesar de sua opção evidente por uma saída ortodoxa, Dilma é candidata à reeleição e não pode dizer agora, com todas as letras, que seu caminho será marcado, mais uma vez, por muitas pinceladas estagnacionistas. Na busca dos votos, todos se apresentam ao eleitorado como sendo desenvolvimentistas de raiz.
Mas o fato inescapável é que dificilmente ela vai conseguir anunciar um PIB de 3% no final do ano que vem, caso persista com seus compromissos junto ao financismo de manter as taxas de juros na estratosfera e de arrochar a sociedade para gerar um superávit primário dessa magnitude.

Jaciara Itaim, é economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.