Enquanto por aqui a campanha eleitoral do segundo turno pega fogo com baixarias de todos os tipos, inclusive com um dos candidatos, Aécio Neves, revivendo o termo udeno-lacerdista “mar de lama”, na área internacional muitos fatos estão passando sem que leitores, ouvintes e telespectadores sejam informados.
Aécio simplesmente deve ter guardado em seu armazém da memória alguns termos do arsenal ideológico do pai, Aécio Cunha, gerno de Tancredo Neves, um dos parlamentares contemplados com o dinheiro da CIA, via Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) para se eleger deputado federal em 1962 e posteriormente engrossar as fileiras da famigerada Arena e do PDS (Partido Democrático Social), os partidos apoiadores da ditadura pós 64.
Mas deixando o candidato tucano de lado junto com seus apoiadores tucanos, herdeiros da UDN, também de triste memória, vale lembrar que mais uma vez o hoje nonagenário Henry Kissinger voltou aos espaços midiáticos.
Desta vez, documentos da época em que ele apitava nos altos escalões da Casa Branca mostram o seu empenho no sentido de o governo de Gerald Ford lançar ataques aéreos contra Cuba em 1976.
Era o mesmo Secretário de Estado norte-americano que apoiava regimes autoritários sanguinários no continente latino-americano, inclusive que estimulou assassinos como o general Augusto Pinochet a derrubar o presidente chileno Salvador Allende.
Pior que depois dos males feitos, ao deixar o cargo de secretário de Estado passou a receber convites para palestras, regiamente pagas, promovidas aqui no Brasil por setores empresariais atualmente financiadores de entidades do gênero Instituto Millenium e barbaridades das mais variadas, bem como ativos financiadores de campanhas eleitorais.
Como a memória por aqui é fraca, não custa nada se lembrar dos tempos de retrocesso da história brasileira, que ainda muitos óleos queimados da história agrupados no Clube Militar seguem defendendo.
Na ocasião da tentativa de Kissinger no sentido de convencer altos escalões da Casa Branca a bombardear a ilha caribenha, o regime cubano se penitenciava do passado escravocrata e mandava tropas para ajudar o povo angolano a consolidar a sua independência e combater os racistas da África do Sul associados a grupos bancados pela CIA.
Kissinger nunca se conformou com isso e queria se vingar com os bombardeios, que acabaram não acontecendo por ter prevalecido um mínimo de bom senso e até mesmo temores quanto aos resultados das eventuais incursões.
Segundo o insuspeito The New York Times, o peixe podre que Kissinger tentou vender consistia no esboço de planos para atacar portos e instalações militares cubanas incluindo ainda o envio de batalhões de infantaria da Marinha para a Base de Guantánamo, o local onde hoje o Estados Unidos mantém inúmeros prisioneiros sem direito de defesa e julgamento.
Os tempos na América Latina hoje são outros, mas mesmo assim o governo norte-americano ainda tenta por formas mais sutis retomar a hegemonia mantida por décadas e décadas.
Há organismos norte-americanos, públicos ou privados, apoiadores de grupos considerados em condições de fazer a América Latina voltar a ser o quintal ou pátio traseiro do Estados Unidos.
Tentaram desestabilizar governos como o da Bolívia, mas o povo respondeu sufragando Evo Morales com mais de 60% dos votos, inclusive vencendo em regiões onde empresários apoiavam a separação.
Fizeram o mesmo com a Venezuela, numa tentativa de golpe em 2002, e ainda procuram desestabilizar o governo de Nicolás Maduro. Nesse sentido contam com a ajuda dos meios de comunicação conservadores, “informando” (entre aspas, porque manipulação não deve ser considerada informação) sobre fatos para convencer a opinião pública da necessidade de colocar para fora o governo constitucional.
Neste momento em alguns países, como o Brasil e o Uruguai, por exemplo, os apoiadores históricos de “relações carnais” com o Estados Unidos tentam de todas as formas retornar ao gerenciamento do Estado, retirando do poder governos reformistas, mesmo que sejam tímidos.
No Brasil, procuram criar a atmosfera da “mudança”, na verdade um disfarce para o Brasil voltar a ser o que era nos tempos do governo Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, não uma mudança, mas um retrocesso.
No Uruguai, forças empresariais retrógradas, similares as que agem no Brasil, tentam de todas as formas a eleição de candidatos conservadores do Partido Nacional ou Colorado e mesmo num eventual segundo turno a união dos dois referidos partidos para derrotar o candidato da Frente Ampla, Tabaré Vásquez.
Não é à toa que tanto no Brasil como no Uruguai e onde quer que haja governos independentes, as críticas insanas à política externa aparecem nas análises dos tais colunistas de sempre, exatamente com o objetivo de angariar votos para a causa retrógrada.
Todo cuidado é pouco, desde as urnas eletrônicas passando pelas coberturas midiáticas do processo eleitoral e até mesmo pelos debates em que se evita o confronto de ideias. É preciso a máxima vigilância, porque, caso se baixe a guarda, brasileiros e uruguaios podem ser vítimas de deturpações e mesmo surpresas desagradáveis.
Por estas e muitas outras não basta apenas o convencimento do tipo “às urnas cidadãos”. Que se vote, mas com redobrada fiscalização.
Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha; membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (TvBrasil). Seus livros mais recentes: Líbia – Barrados na Fronteira; Cuba, Apesar do Bloqueio e Parla , será lançado dia 17, no Rio de Janeiro.
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