Prisão de Galo e Géssica é arbitrariedade, aponta Uneafro

Arquivado em:
Publicado Sexta, 30 de Julho de 2021 às 11:34, por: CdB

O coordenador da Uneafro Brasil, Adriano Sousa, contestou a manutenção da prisão do motoboy Paulo Roberto da Silva Lima, o Paulo Galo, e de sua companheira, a costureira Géssica Silva Barbosa.

Por Redação, com RBA - de São Paulo

Em entrevista ao Jornal Brasil Atual, o coordenador da Uneafro Brasil, Adriano Sousa, contestou a manutenção da prisão do motoboy Paulo Roberto da Silva Lima, o Paulo Galo, e de sua companheira, a costureira Géssica Silva Barbosa. O casal está preso desde quarta-feira. Eles são acusados pelo incêndio da estátua do bandeirante escravocrata Borba Gato na zona sul da cidade de São Paulo, no último dia 24. O integrante do movimento Revolução Periférica reivindicou a autoria do ato, mas afirmou em depoimento que Géssica sequer estava presente na manifestação.
paulolima.jpg
Movimento também contesta seletividade da população que se indigna diante do incêndio da estátua do escravocrata Borba Gato, mas se silencia diante do vandalismo à obras que prestam homenagens aos trabalhadores do Brasil
Os dois se apresentaram voluntariamente ao 11º Distrito Policial. Mas mesmo assim tiveram mandado de prisão temporária expedido pela juíza Gabriela Marques da Silva Bertoli, do Tribunal de Justiça de São Paulo, o que vem sendo questionado por diversos criminalistas desde as primeiras horas da decisão. A defesa e outros advogados apontam a prisão temporária como um contrassenso para quem se apresenta espontaneamente na delegacia. A medida é restrita para casos em que o investigado, em liberdade, possa atrapalhar as investigações ou não apresente residência fixa e falte com informações necessárias sobre a sua identidade. Sem esses requisitos, a prisão temporária “é uma ilegalidade sem tamanho”, como adverte o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Além disso, como mãe de uma criança de três anos de idade, a costureira deveria cumprir prisão domiciliar conforme estabelece decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhece esse tipo de medida para mães de crianças de até 12 anos. Embora não devesse responder à ação, conforme aponta o criminalista, por não haver indícios de autoria.

Recado da prisão: cercear a luta

Para a Uneafro, o cárcere do casal é uma “arbitrariedade” e uma tentativa de criminalização de quem luta. Além de integrante do grupo Revolução Periférica, Galo é também um dos fundadores do movimento Entregadores Antifascistas. O grupo que marcou no ano passado a mobilização por direitos dos trabalhadores por aplicativos. – A gente sabe que as militâncias que chamam atenção pelo potencial de mobilização são mais visadas. Uma área tão importante hoje como a dos entregadores, de trabalho tão precarizado, e a capacidade de mobilização dos entregadores antifascistas chamou a atenção de muita gente que está no poder e que está apoiando as reformas trabalhistas e o aprofundamento delas. Sabíamos que em algum momento quem está no poder ia usar de algum pretexto para cercear essa mobilização, mais do que legítima – pontua Sousa à jornalista Marilu Cabañas.

Seletividade

O coordenador da Uneafro Brasil, também historiador e integrante do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás, destaca ainda a seletividade da população que se mostra indignada diante do incêndio da estátua do escravocrata Borba Gato, mas se silencia diante do vandalismo a obras que prestam homenagens aos trabalhadores do Brasil. Como o monumento Memória Eldorado, projetado por Oscar Niemeyer em Marabá, no Pará, em homenagem aos trabalhadores rurais vítimas do massacre de Eldorado dos Carajás. Inaugurado em agosto de 1996, a obra foi destruída pouco depois, em setembro, sob o olhar da Polícia Militar, e nunca mais foi reerguida. – O Borba Gato é um símbolo da continuidade desse arbítrio do genocídio da população negra e indígena. Mas essas elites dizem ‘não, isso aqui é nossa arte, é algo público que precisa ser defendido' – critica o historiador. “Nós vemos que, no fundo, a vida do trabalhador, do preto e do periférico, não vale nada no concreto, vide a prisão do Galo e da Géssica. E não vale (também) no símbolo e na educação que esses patrimônios promovem de qual a identificação de raça, classe e de ação histórica que a população pobre deve ter. Eles querem que a gente se identifique com o nosso algoz, com a elite branca que governa esse país.”

Quem foi Borba Gato

Pouco antes de prestar depoimento, Paulo Galo destacou que o ato no sábado “em nenhum momento foi feito para machucar alguém ou querer causar pânico na sociedade”. A ação buscava abrir uma debate “para que as pessoas decidam se elas querem ou não uma estátua de 13 metros de altura que homenageia o escravocrata que torturava e estuprava negros e indígenas”. O coordenador da Uneafro completa que os bandeirantes, que dão nome inclusive à sede do governo de São Paulo, além de rodovias e monumentos, fora os responsáveis por “promover o serviço sujo da colonização, de escravizar indígenas, buscar pedras preciosas, conforme interesse de seu grupo”. Ao contrário dessas homenagens, a proposta de movimentos comprometidos com a luta antirracista e o povo negro e indígena é ressignificar essas obras.

Memória e verdade

A vereadora Luana Alves (Psol-SP) lançou um abaixo-assinado pela substituição da estátua de Borba Gato pela imagem da líder quilombola Tereza de Benguela, símbolo da resistência do povo negro. Outros grupos apoiam a construção da estátua de uma indígena apontando um flecha em direção ao bandeirante em memória da verdade. Entre as alternativas, há ainda em tramitação na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) o Projeto de Lei (PL) 404/2020. De autoria da deputada estadual Erica Malunguinho (Psol-SP), a proposta proíbe homenagens a escravocratas. A medida tem apoio da Uneafro, mas está parada na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Alesp. O historiador conclui que todas esses debates têm que “deixar evidente que a escravidão é uma história que o país tem que superar”. “Estamos em um momento histórico no qual a população negra, periférica, trabalhadora e indígena pensa na sua dignidade cada vez mais. Se é para a gente promover algo que seja especial para nós, que sejam nossos heróis e sujeitos históricos, os que fizeram diferença para a nossa dignidade. E não aqueles que atentam contra a nossa vida permanentemente, ontem e hoje”, finaliza Adriano Sousa.
Edição digital

 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo