“A ‘solução’ é vender o patrimônio nacional, tanto público quanto privado. É o país empobrecer, em termos absolutos, como está acontecendo nos últimos três anos”. A afirmação é do economista Bresser-Pereira, sobre a privatização da Eletrobras.
Por Redação - de São Paulo
O Ministério de Minas e Energia informou, na véspera, a intenção de reduzir a participação da União na Eletrobras. Trata-se da maior geradora de energia elétrica do país. De acordo com a pasta, o objetivo da medida é dar mais competitividade e agilidade à empresa. E, assim, gerir suas operações, sem "as amarras impostas às estatais".
"Esse movimento permitirá à Eletrobras implementar os requisitos de governança corporativa exigidos no novo mercado, equiparando todos os acionistas – públicos e privados – com total transparência em sua gestão", disse o ministério.
‘Tolice’
Economista que construiu sua história junto com a do PSDB, Luiz Carlos Bresser-Pereira, presidente do Centro de Economia Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que edita a Revista de Economia Política desde 1981, no entanto, discorda.
Em um texto, publicado na página de uma rede social, o também cientista político e professor da FGV paulistana discorda. E usa argumentos contundentes contra a sanha privatista que atinge o patrimônio público brasileiro. Segundo Bresser-Pereira, “não se imagine que (Temer) esteja fazendo isso porque a ‘administração privada é mais eficiente’.
“Isto é tolice”, prossegue o ex-ministro da Fazenda do governo José Sarney.
Para o também ministro da Ciência e Tecnologia de FHC, “não faz sentido econômico vender empresas monopolistas lucrativas como a Eletrobrás". A instituição que regula a eficiência das empresas privadas – um mercado competitivo – "não existe nesse caso”.
Leia, adiante, as reflexões de Bresser-Pereira
“Por que, então, está o governo vender o patrimônio público? Não é apenas por motivos ideológicos, porque para se legitimar perante as elites brasileiras liberais e dependentes esse governo se dispõe servilmente a privatizar tudo. Há duas outras causas de o Estado e o Brasil (este incluindo o setor privado) estarem vendendo o patrimônio nacional.
“O motivo que provavelmente desencadeou essa decisão foi o fato que a Constituição, no seu artigo 167, define como “crime fiscal” o governo incorrer em deficit público superior à despesa de capital, ou seja, ao investimento público. Com esse dispositivo o constituinte sabiamente buscou impedir que o governo aumentasse de forma irresponsável a despesa corrente.
Venda de patrimônio
“Resultou, também, do dispositivo constitucional a proibição que os governos em geral reduzam a sua receita irresponsavelmente. Ora, é isto que governo que está aí e o imediatamente anterior vem fazendo a partir de janeiro de 2015 através da adoção de uma política ortodoxa de corte da despesa pública (principalmente do investimento público) e uma política de frouxidão em relação à apreciação cambial, as quais que agravaram e tornaram mais longa a crise econômica iniciada em 2014. Mas o constituinte não previu que o governo encontrasse uma saída para o problema: vender o estoque de capital do Estado, as empresas públicas.
“Esse é o motivo mais direto da decisão de vender a Eletrobrás. Há um motivo mais profundo que não se origina apenas neste governo, mas em todos os governos brasileiros desde há muito tempo: são os déficits público e os déficits em conta-corrente altos e crônicos em que incorrem com a legitimação ou o beneplácito dos ‘seus’ respectivos economistas que implicam em aumento da dívida pública e da dívida privada, e são pagos com venda de patrimônio.
Ficar para trás
“Para os economistas ortodoxos, déficits em conta-corrente são uma boa coisa porque representam ‘poupança externa’ que aumentaria investimento; para os desenvolvimentistas populistas ou keynesianos vulgares os déficits públicos são igualmente uma boa coisa porque implicam “aumento da demanda” que faria crescer o investimento. Na verdade, bons economistas sabem que déficits públicos altos e crônicos são mero populismo fiscal, e, desde 2001, eu tenho demonstrado que déficits em conta-corrente são geralmente mero populismo cambial: eles aumentam muito mais o consumo do que o investimento.
Há, porém, uma outra consequência que eu não tenho salientado, mas que me ocorreu diante desta venda geral do Brasil – esta venda que não se limita às empresas e outros ativos públicos; mas inclui também as empresas nacionais incessantemente vendidas a empresas multinacionais. Deficit público e deficit em conta-corrente representam endividamento adicional. Como pagar a dívida? Seria com as receitas extras que resultariam do aumento da taxa de investimento.
Mas como já vimos que isso geralmente não acontece, a ‘solução’ é vender o patrimônio nacional, tanto público quanto privado. É o país empobrecer, em termos absolutos, como está acontecendo nos últimos três anos; é ficar cada vez mais para trás, como está acontecendo há quase 40 anos, desde que o Brasil parou de fazer o alcançamento”.