Quando o pastor Malafaia dedura deputados evangélicos

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Publicado Sábado, 27 de Fevereiro de 2021 às 14:52, por: CdB

Foi de espanto minha reação ao abrir o youtube de domingo passado do conhecido pastor evangélico Silas Malafaia. Naquele seu estilo agressivo, popularesco e de dono absoluto da verdade, dedo em riste, ele criticava os deputados federais evangélicos culpados por terem votado pela manutenção na prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira.

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Pastor Silas Malafaia dedurou deputados evangélicos contrários a Daniel Silveira
Segundo ele, essa prisão é uma ilegalidade, um ato inconstitucional cometido pelo Supremo Tribunal Federal. E o voto de certos deputados evangélicos demonstrou falta de "espírito de justiça, de amor e de misericórdia". Para meia-centena desses deputados, pouco havia adiantado um tweet que Malafia lhes enviara, nos seguintes termos despóticos: “Alerta à Frente Parlamentar Evangélica! Deputado evangélico que votar em favor dessa aberração jurídica de manter um deputado preso por suas falas, vou denunciar aos evangélicos, para nunca mais ser votado por nós”. Por isso, diante da desobediência, embora não seja o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, Malafia decidiu concretizar sua ameaça, dando os nomes, por escrito num painel, dos 57 deputados evangélicos, alguns pastores, e pronunciando um a um os nomes dos 13 deputados de sua denominação, a Assembléia de Deus. Um ato de denúncia, como ele mesmo explicitou no seu tweet, para o qual se pode usar um sinônimo mais conhecido como ato de deduragem. Tanto a ameaça como a denúncia não seriam os mais indicados para um líder evangélico, porém não ocorre pela primeira vez. Aqui mesmo, neste espaço do Correio do Brasil, contei a comovente história de um grande cristão alemão na época do nazismo, cujo nome foi dado a escolas e instituições públicas depois da derrota da ditadura do Reich. Trata-se do pastor alemão Dietrich Bonhoeffer, denunciado pela Igreja Luterana da época, por não aceitar um alinhamento com o nazismo. Foi preso e morreu na forca, pouco antes da derrota dos nazistas. E como o tema versa sobre pastores e evangélicos denunciados, não poderia esquecer do presbítero presbiteriano Paulo Stuart Wright, denunciado em Curitiba, preso, torturado e assassinado durante a Ditadura Militar, que tantos desejam agora restabelecer sonhando com um novo golpe. Sua história está contada no livro co-escrito por seu irmão, pastor presbiteriano, Jaime Wright, com o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns Brasil: Nunca Mais, mostrando que nem sempre a igreja é um lugar seguro para os autênticos seguidores de Cristo. Outro livro importante, Jaime Wright: o pastor dos torturados, de Derval Dasílio, mostrando como funcionava a repressão naquela época. Dietrich Bonhoeffer e Paulo Stuart Wright são casos isolados, porém ainda na história dos evangélicos no Brasil, se pode citar casos de denúncias coletivas. Logo depois do golpe militar de 1964, a Igreja Presbiteriana do Brasil, onde havia um forte movimento de preocupação social, passou a ser dirigida por um importante pastor conservador, Boanerges Ribeiro, que provocou intervenções repressivas nos seminários e dentro das igrejas. As denúncias corriam soltas e foram demitidos professores de seminário acusados de esquerdistas e modernistas, demitidos pastores de igrejas e mesmo presbíteros, diáconos e membros de igrejas, alguns com denúncias ao aparelho militar repressivo da época, como aconteceu com o irmão de Jaime Wright. Muitos desses relatos estão em outro livro importante sobre os evangélicos no Brasil — Inquisição sem Fogueiras, vinte anos de história da Igreja Presbiteriana do Brasil — 1954 a 1974. Nele se contam as consequências funestas da adesão da direção da Igreja Presbiteriana ao golpe militar. Denunciar e perseguir pastores e leigos evangélicos por suas idéias políticas não é novidade no Brasil. (Publicado no Observatório da Imprensa e no blog Náufrago da Utopia) Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI. Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.

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