Bolsonaro enfrentará simultaneamente duas prováveis frentes de batalha espinhosas nos próximos dias. A mais decisiva, obviamente, é a CPI da Pandemia aberta no Congresso, cujo relator será o senador Renan Calheiros. Este é o enfrentamento mais importante, pois sob todos os aspectos, o futuro do país será definido a partir do enfrentamento à política sanitária implementada pelo insano que nos governa.
Por Jorge Gregory - de Brasília
Bolsonaro enfrentará simultaneamente duas prováveis frentes de batalha espinhosas nos próximos dias. A mais decisiva, obviamente, é a CPI da Pandemia aberta no Congresso, cujo relator será o senador Renan Calheiros. Este é o enfrentamento mais importante, pois sob todos os aspectos, o futuro do país será definido a partir do enfrentamento à política sanitária implementada pelo insano que nos governa. O relator, já confirmado, representa uma dura derrota governista e aponta para uma promissora expectativa de que a Comissão de Inquérito cumprirá seus objetivos, ou seja, de condenar o genocídio praticado pelo governo.Os potenciais econômicos da região
Em todas as reuniões eram destacados os potenciais econômicos da região, a cobiça externa por tais riquezas, a ação perniciosa de ONGs estrangeiras e a questão indígena. Quanto às ONGs, em especial as de confissão evangélicas, de fato pude constatar em várias aldeias indígenas a ação de pastores norte-americanos e europeus fazendo um verdadeiro trabalho de destruição da cultura indígena. O filme Brincando nos Campos do Senhor, de Héctor Babenco, retrata de forma muito clara estas práticas. Em que pese os militares fazerem a crítica de que tais ações constituíam ameaça externa à nossa soberania, o que concordo, ao tratarem das populações indígenas, sempre questionavam se são culturas que queremos preservar? “Esta é uma discussão”, concluíam. Fica claro aqui que não só a ação das ONGs constitui um incômodo para os militares, como a própria existência de populações indígenas vivendo em reservas demarcadas. Houvesse alguma preocupação com sua preservação, eles perguntariam aos próprios indígenas se eles querem preservar suas culturas e não se nós brancos queremos preservá-las. Para os militares, no entanto, é inadmissível a expressão “povo indígena”, pois qualquer ideia que remeta à multietnicidade é uma quebra da unidade nacional e uma ameaça à defesa de nossa soberania. Assim também é inadmissível para eles pensar que no Brasil há na prática uma segregação sociorracial. Para eles, é tão somente desigualdade social que independe da herança histórica decorrente do escravismo. Na visão deles de que somos um povo único, caracterizado pela miscigenação do branco europeu com negros e indígenas, os bolsões de populações indígenas, vivendo em reservas e com suas culturas próprias, devem ser extintos, com suas populações incorporadas à nossa civilização e à nossa cultura miscigenada e que tal integração seria crucial para a defesa militar do território nacional. A afirmação de Bolsonaro, dirigida por várias vezes aos indígenas na campanha eleitoral, de que quer que eles “tenham os mesmos direitos que nós brasileiros”, reflete não uma opinião pessoal, mas sim o pensamento militar. Ou seja, ao preservarem suas culturas e viverem em reservas, supostamente os índios não seriam brasileiros e sim corpos estranhos, constituindo-se em ameaça à defesa do território.Ocupação populacional da Amazônia
Na visão militar, a ocupação populacional da Amazônia também é fator determinante para a defesa do território. Nesta perspectiva, não só se incomodam com a existência de populações indígenas, como são absolutamente contra a preservação ambiental, pois ela se constitui em um entrave para a alocação de grandes contingentes populacionais na região. Ainda na ditadura, com tal objetivo distribuíram terras, incentivaram a grilagem e até mesmo garimpos, como a Serra Pelada, por meio do sanguinário Major Curió. Nesse sentido, a visão dos militares está em absoluta sintonia com Ricardo Salles, de que se deve abrir a porteira para a boiada passar. A boiada da exploração ilegal da madeira, do garimpo e da mineração, pois com a devastação virá a ocupação populacional, garantindo a defesa do território. Obviamente temos que nos preocupar com nossa defesa territorial, com a exploração das riquezas naturais e minerais da Amazônia, assim como combater a invasão de certas ONGs estrangeiras. No entanto, a visão de defesa pela ocupação populacional é tão arcaica quanto a Doutrina de Segurança Nacional, gestada na guerra fria, que ainda alimenta o imaginário das nossas Forças Armadas. Preservar ou não suas culturas é uma decisão que cabe tão somente aos indígenas e a nós nos cabe aprender a conviver com a diversidade, a respeitar seu espaço e os seus direitos, e isto não tem nada a ver com identitarismo. A questão ambiental não diz respeito exclusivamente à pressão externa, mas também à nossa capacidade de empreender um desenvolvimento sustentável, em benefício de toda a população. Caso vá a frente tal denúncia, mais que confirmar ou não possível prática de corrupção de Salles, possibilitará tornar evidente essa visão obtusa e retrógrada não só de Bolsonaro e seu ministro, mas também das altas patentes das Forças Armadas. A destruição que está sendo promovida por tal política, tanto na Amazônia quanto no Pantanal, está provocando danos de tal dimensão que nenhuma política de segurança e defesa justificam. Assim como é necessário dar um basta à política sanitária deste governo, também é necessário dar um basta à sua política ambiental. A abertura dessa investigação por parte do Supremo é tão crucial quanto está sendo a instalação da CPI da Pandemia.Jorge Gregory, é jornalista e professor universitário, trabalhou no Ministério da Educação (MEC).
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