Seleção suíça tem mais "estrangeiros" na Copa

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Publicado Segunda, 30 de Junho de 2014 às 13:58, por: CdB
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Futebol faz o milagre: país onde os xenófobos têm o maior partido, joga na Copa com uma seleção de "estrangeiros"
Faz alguns dias, os jornais suíços publicavam mais uma vez uma informação mentirosa, pouco a pouco aceita como verdadeira - os estrangeiros constituem 20% da população suíça ! Se isso fosse verdade, todos teríamos de concluir ser a Suíça um exemplo de abertura em termos de tolerância e aceitação dos imigrantes. E é justamente esse o objetivo dos propaladores dessa falsa informação, baseada em estatísticas oficiais, revestidas, portanto, de uma oficialidade praticamente inatacável. Porém é fácil se desmistificar essa enganação, embora para a grande maioria da população ela continue sendo aceita como digna de crédito. Desde minha chegada ao paraíso helvético, escuto essa balela, mesmo em conferências de imprensa do governo com a imprensa estrangeira. Evidentemente, com meu temperamento de esquentado provocador, não deixo passar em branco e foi com bastante mau humor que voltei a ler, nestes dias, em letras de manchete essa inverdade. Como as estatísticas suíças chegam à conclusão de haver 20% de estrangeiros no país helvético ? Muito simples, somando ao número de imigrantes da época da construção dos túneis, nos anos 50 e 60, na maioria italianos hoje octogenários mas sempre estrangeiros, os vindos a seguir e até hoje da Turquia, da ex-Iugoslávia, Espanha, Portugal, Magreb e África francófona. Todos eles dificilmente naturalizáveis e sempre estrangeiros mesmo os que vivem há mais de 40 anos de Suíça. E o mais importante - somando a esse número os filhos dos imigrantes e mesmo netos e bisnetos, porque filho de casal estrangeiro com sangue estrangeiro será sempre estrangeiro, pois na Suíça vigora o chamado jus sanguinis, ou seja, a nacionalidade se transmite pelo sangue e não basta nascer na Suíça para ter a nacionalidade suíça. Assim se chega ao absurdo de se considerar estrangeiros netos de imigrantes italianos, espanhóis e portugueses, nascidos e vivendo na Suíça. Estas nacionalidades podem, depois de um longo período de espera, aspirar obter o passaporte vermelho suíço, porém será sempre mais difícil para os vindos da ex-Iugoslávia, dos países árabes e da África. Resultado, somando-se os filhos e netos de imigrantes, perfeitamente integrados no país, falando o dialeto local, pensando como suíços e se julgando mesmo suíços, com seus pais, chega-se aos 20%, quando na verdade 10% são "estrangeiros nascidos na Suíça". Porém, nem todos os filhos de imigrantes são considerados estrangeiros, principalmente quando sabem jogar futebol. Esses conseguem logo um passaporte, graças à influência de um clube de futebol necessitado de bons jogadores. E ocorre, então, algo inusitado - a atual seleção suíça de futebol é a formada com o maior número de "estrangeiros" em comparação com as demais seleções do Mundial. Não quero nem pensar na reação dos eleitores da extrema-direita suíça, do Partido do Povo, o maior partido político suíço, ao ver sua bandeira da cruz branca, defendida por não descendentes dos montanheses de Guilherme Tell, num momento em que renasce a rejeição aos estrangeiros, tipo A Suíça para os Suíços, como defendia James Schwarzenbach, nos anos 60, precursor de Christoph Blocher, líder do Partido do Povo. E o futebol, neste caso, se transforma num desmistificador do extremismo nacionalista e xenófobo, porque assim como uniu os franceses e os imigrantes das periferias, na conquista da Copa pela França, em 98, faz o milagre de se ver suíços ruralistas xenófobos e reacionários torcerem pelos filhos ou netos daqueles que desejam expulsar do país pelo simples fato de serem diferentes. Rui Martins, jornalista, escritor, editor do Direto da Redação, correspondente do Correio do Brasil em Genebra.
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