Na virada do século XIX para o XX, as cidades do Brasil sofriam com problemas de saneamento básico e recorrentes epidemias. Na época, o sanitarista Oswaldo Cruz conseguiu erradicar a doença, que volta a assombrar o país
Por Redação, com DW – do Rio de Janeiro:
Há mais de 100 anos, o sanitarista Oswaldo Cruz conseguiu, numa campanha até então inédita, acabar com focos do mosquito Aedes aegypti e erradicar as recorrentes epidemias de febre amarela nas grandes cidades do país – isso numa época em que não havia vacina contra a doença.
Agora, no entanto, a enfermidade ameaça voltar aos centros urbanos. Com a confirmação de 47 casos entre os 272 suspeitos, e 25 mortes em Minas Gerais. E a luta contra o mosquito, que também transmite os vírus da dengue, da chicungunya e do zika, parece perdida.
Por que um problema resolvido há mais de um século volta a assombrar a população? Para o historiador Marcos Cueto, da Casa de Oswaldo Cruz, trata-se de um retrocesso e também de uma tragédia anunciada.
– Na história das epidemias do século XXI, muitas vezes a dengue antecede a febre amarela. Mas aqui as lições da História não são levadas em conta – afirma o especialista, que é também editor científico da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.
Na virada do século XIX para o XX, as condições de saneamento nos principais centros urbanos do país eram insalubres. Mesmo na antiga capital, o Rio de Janeiro, o problema era grave e responsável, diretamente, pelas recorrentes epidemias de febre amarela. A situação era tão séria que muitos navios estrangeiros evitavam aportar por aqui em determinadas épocas do ano. O que trazia consequências econômicas.
Rodrigues Alves assumiu a Presidência da República em 1902 disposto a dar um basta àquela situação. Logo no ano seguinte, Oswaldo Cruz foi chamado a assumir a diretoria-geral de Saúde Pública. Um cargo similar ao de ministro da Saúde. Com a espinhosa missão de acabar com a febre amarela.
Febre Amarela
O médico criou o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, que logo colocou nas ruas as chamadas brigadas de mata-mosquitos. Grupos de agentes sanitários cujo objetivo era eliminar os focos de mosquito a qualquer custo.
O modelo de ação era truculento, com os agentes de saúde percorrendo todas as casas e destruindo todos os locais de desova do mosquito transmissor. Mas surtiu efeito: em 1907, a epidemia foi considerada erradicada. E desde 1942 não há registros de transmissão de febre amarela nos centros urbanos.
– No Brasil e em muitos países da América do Sul este era um problema considerado controlado. Restrito a regiões amazônicas – afirma Cueto. “Desde o fim dos anos 20, praticamente não houve nenhum surto epidêmico nas cidades. E desde 1937 existe uma vacina”.
Para Cueto, no entanto, de lá para cá, predominou no país uma atitude passiva e tolerante com o mosquito transmissor da febre. “Os controles foram ficando cada vez mais relaxados (e por essa mesma razão houve um aumento da dengue e do zika). Não houve uma política de vacinação entre a população urbana e o número de moradores das cidades só aumentou”, explica o especialista.
As cidades cresceram de forma desordenada, e as áreas mais pobres e sem saneamento são os maiores focos de proliferação do mosquito. No caso de novos surtos da doença, são justamente as parcelas menos favorecidas da população que mais sofrerão com o problema.
Controle
Para Cueto, medidas individuais para controle de larvas. Como apregoa hoje o governo, não são suficientes. “Temos que resolver os problemas de água, moradia e pobreza que fazem com que existam muitos reservatórios nas favelas”, diz o especialista. “E além disso, temos que resolver o problema da criminalidade nas favelas, que impede o trabalho de sanitaristas no controle dos reservatórios e na educação higiênica.”
Para o historiador, Oswaldo Cruz é um exemplo de liderança a ser seguido, embora não represente mais um modelo. “Agora existem novos desafios, temos problemas novos, precisamos de respostas mais complexas”, afirma. “Precisamos resolver a questão da pobreza urbana e fazer com que a vacina seja acessível para todos.”