Vacinação completa um ano com avanços, apesar de Jair Bolsonaro

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Publicado Segunda, 17 de Janeiro de 2022 às 11:14, por: CdB

Cerca de 70% da população foi vacinada. Segundo epidemiologista, percentual já poderia ter sido atingido em julho se o país tivesse contado com vacinas suficientes. Um ano depois, Bolsonaro ainda tenta sabotar campanha.

Por Redação, com DW - de Brasília

A epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), afirma que o Brasil poderia ter alcançado a marca atual de cobertura vacinal em julho do ano passado. Ou seja, em cinco meses, e não um ano.
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Cerca de 70% da população foi vacinada
– O SUS (Sistema Único de Saúde) tem uma estrutura pronta para vacinar a população que é facilmente acionada pelo Ministério da Saúde. Se o Brasil tivesse vacina suficiente quando se iniciou a vacinação, facilmente teríamos alcançado esse percentual em julho – afirma Domingues. A ex-coordenadora explica que o SUS tem capacidade de vacinar 3 milhões de pessoas por dia, mas a capacidade diária nunca foi alcançada ao longo da pandemia por falta de vacina. "A vacinação demorou muito para avançar no Brasil”, afirma. Os dados de vacinação do Ministério da Saúde mostram que, até 30 de junho, o Brasil tinha completado o esquema vacinal de apenas 12,4% da população. Cerca de 1,3 milhões de doses foram aplicadas por dia no período. Um mês depois, a imunização completa ainda não alcançava nem 20% da população. A evolução dos dados mostra que o Plano Nacional de Imunização contra a covid começou a ganhar força somente a partir de agosto, sete meses após o início da vacinação no país: 31 de março: 2,4% totalmente imunizados 30 de abril: 3,4% totalmente imunizados 30 de maio: 10,4% totalmente imunizados 30 de junho: 12,4% totalmente imunizados 31 de julho: 19,4% totalmente imunizados 31 de agosto: 29,3% totalmente imunizados 30 de setembro: 42,8% totalmente imunizados 31 de outubro: 54,2% totalmente imunizados 30 de novembro: 62,7% totalmente imunizados 31 de dezembro: 67% totalmente imunizados* (Ministério da Saúde teve um apagão de dados após um ataque cibernético)

População confia nas vacinas

As vacinas contra a covid também demoraram para serem adquiridas pelo governo federal e a campanha nacional de imunização começou com um atraso de mais de um mês em relação à Europa e Estados Unidos. Porém, a pediatra infectologista Flavia Bravo, membro da Comissão Técnica para Revisão dos Calendários Vacinais da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), afirma que os dados mostram que o brasileiro confia nas vacinas e aderiu à campanha nacional de vacinação. – A campanha de vacinação contra a covid é resultado de um trabalho primoroso que o PNI construiu ao longo de 48 anos de existência. O Programa criou uma confiança na população. A vacina faz parte da vida do brasileiro e a população gosta de vacina – diz Bravo.

Ataques contra as vacinas

Apesar do percentual da cobertura vacinal brasileira não corresponder com a capacidade do SUS em vacinar a população, os 70% alcançados até o momento são maiores que nos Estados Unidos. O país americano começou a vacinar um mês antes do Brasil, mas apenas 63% da população tomou as duas doses, de acordo com o Our World in Data, da Universidade de Oxford. Para Domingues, contudo, não há comparação da campanha nacional com a de outros países, uma vez que as taxas de vacinação em algumas nações europeias e nos EUA não foram influenciadas negativamente pela falta de vacina não adquirida a tempo pelos governos, mas pelo comportamento de parte da população. – A maioria dos países desenvolvidos que está com a vacinação estagnada é por causa do movimento antivacina. Já no Brasil, os antivacinas não impediram que as pessoas procurassem a vacina contra a covid. O que demorou o avanço da vacinação no Brasil foi não termos quantidade suficiente de doses – diz a ex-coordenadora do PNI. Para Bravo, os negacionistas da pandemia e os antivacinas "fazem muito barulho, mas não são muitos, são sempre as mesmas pessoas". – A verdade é que a maior parte da nossa população confia em vacinas e sempre se vacinou – diz a infectologista da SBIm. As especialistas também lembram que nenhuma campanha nacional de imunização teve ataques de antivacinas como a da covid-19. – Até 2015, o Brasil tinha números invejáveis de cobertura vacinal em torno de 90 a 95% nas crianças. Ninguém antes se questionava: tem que vacinar ou não? No Brasil, já tomamos duas vacinas ao nascer – afirma Bravo. Domingues dá como exemplo a campanha de vacinação contra a epidemia de febre amarela, ocorrida entre 2017 e 2018. – A vacina contra a febre amarela é muito mais reativa do que as vacinas da covid, ela realmente tem o risco de ocorrência de eventos adversos, mas não vimos nenhuma mobilização de grupos contra vacina na época. Muito pelo contrário, a população buscou desesperadamente a vacina até nas regiões onde não estava ocorrendo o surto – lembra Domingues. A ex-coordenadora do PNI atribui à confiança da população nas vacinas o avanço da imunização contra a covid neste primeiro ano, apesar dos desestímulos do próprio presidente Jair Bolsonaro, que afirma não ter sido vacinado com nenhuma dose. – O Brasil tem um programa nacional de imunização universal, gratuito e com uma longa história de credibilidade. Toda vez que o Ministério da Saúde convoca a população para se vacinar, ela comparece. Apesar de o governo federal não fazer o seu papel de protagonismo e liderança desta vez com a covid, os governos estaduais, os prefeitos e a sociedade científica substituíram esse papel – diz Domingues.

Tentativas de boicote à vacinação infantil

A vacinação de adolescentes de 12 a 17 anos e de crianças entre 5 e 11 anos são outros capítulos polêmicos. Apesar de a Anvisa ter aprovado o uso da vacina da Pfizer em crianças no dia 16 de dezembro, o Ministério da Saúde abriu uma consulta pública em dezembro perguntando à população se deveria ser necessário receita médica para imunização dessa faixa etária. A aprovação da pasta para a inclusão das crianças no PNI foi dada somente no dia 5 de janeiro, quase vinte dias após a autorização da Anvisa. Em uma live nas redes sociais no dia 6, Bolsonaro criticou a vacinação infantil e afirmou que não irá vacinar sua filha de 11 anos. Depois, em uma entrevista à uma rádio, chamou de "tarados por vacinas" quem defende a vacinação em crianças e acusou a Anvisa de "interesses” por trás da aprovação. Além disso, um dia após o aval da Anvisa, Bolsonaro pediu que fossem divulgados os nomes dos técnicos que aprovaram a vacina da Pfizer pediátrica. – Eu pedi, extraoficialmente, o nome das pessoas que aprovaram a vacina para crianças a partir de 5 anos, queremos divulgar o nome dessas pessoas para que todo mundo tome conhecimento quem são essas pessoas e obviamente forme seu juízo – disse Bolsonaro em uma live, no que foi encarada como uma tentativa de intimidação contra os técnicos da agência, que logo passaram a relatar ameaças. A Anvisa rebateu as declarações do presidente e pediu que Bolsonaro apresentasse provas das acusações, ou que se retratasse. Nem as provas nem os pedidos de desculpas foram apresentados. O primeiro lote das vacinas pediátricas da Pfizer chegou ao país somente no dia 14 de janeiro. A vacinação começou em alguns estados no domingo. – O ideal seria que o Ministério da Saúde tivesse agilizado a negociação dessas vacinas pediátricas para que a gente conseguisse vacinar com pelo menos uma dose todas as crianças antes do início das aulas, em fevereiro – comenta Bravo. Em setembro, o Ministério da Saúde já havia tentado travar a vacinação em adolescentes de 12 a 17 anos aprovada pela Anvisa em junho. Após liberar a vacinação para a faixa etária, a pasta voltou atrás da decisão e colocou em xeque a segurança da vacina. Poucos dias depois, a decisão foi revertida. – Já é complicado levar adolescentes para tomarem vacina, isso com qualquer vacina. A melhor maneira de aumentar a cobertura vacinal desse público é levando a vacina até eles, como promover a vacinação na escola, por exemplo. Isso não aconteceu com a campanha de imunização da covid – diz Bravo.

Desafios da vacinação em 2022

Domingues alerta que, principalmente por causa do tamanho do país, a cobertura vacinal contra a covid não é homogênea. – Apesar de termos tido avanços, ainda temos debilidades. Temos ainda municípios que não têm coberturas elevadas – orienta a ex-coordenadora do PNI. – Está na hora de passarmos um pente fino no que foi feito, identificarmos as zonas com baixa cobertura vacinal para que o país tenha uma cobertura homogênea em todo o território – afirma Domingues. À agência alemã de notícias Deutsche Welle (DW) procurou o Ministério da Saúde sobre a operacionalização da campanha nacional de imunização em 2022, mas não teve retorno. Outro desafio para este ano é a chegada da nova variante do coronavírus, a ômicron. Para impedir que a ômicron ou qualquer outra variante escape da ação das vacinas, é preciso que o governo complete o esquema vacinal de todos os brasileiros o quanto antes. – Precisamos vacinar de maneira uniforme e rápida para que não haja chance de surgimento de novas variantes – diz a infectologista Bravo.

Os escândalos no governo

O primeiro ano da campanha de imunização contra a covid também foi marcado por acusações contra o governo federal de corrupção e propina em contratos de compra de vacinas que eram promovidas por empresas de fechada, além de rejeição de três ofertas de 70 milhões de vacinas da Pfizer, cujas primeiras doses poderiam ter sido entregues em dezembro de 2020. Em outubro, o relatório final da CPI da Pandemia, criada no Senado para investigar a condução do governo da pandemia, pediu o indiciamento de 80 pessoas e empresas, entre elas, Bolsonaro. Entre os nove crimes que a CPI atribui ao presidente, está o de prevaricação, por não pedir que fosse investigada a suspeita de corrupção na compra de vacinas, além dos crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade pela condução da pandemia. Mesmo assim, Bolsonaro fez uma live nas redes sociais em outubro e afirmou que pessoas totalmente vacinadas contra a covid poderiam desenvolver aids "muito mais rápido que o previsto". A informação é totalmente falsa e a mentira rendeu ao presidente mais um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro.
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