George W. Bush mentiu e disse a verdade, ao mesmo tempo. Depende de quem o escute, ou desde onde se assista a seus pronunciamentos.
Bush falava para o público interno, queria galvanizá-lo para a guerra, tanto para reafirmar a imagem imperial norte-americana no mundo, quanto para triunfar eleitoralmente dentro do país.
O público dos EUA acreditou desde o começo em falsidades como a de que o governo de Sadam Husseim estava vinculado aos atentados de setembro de 2001, assim com agora acreditam que se encontraram as prometidas armas de destruição massiva.
Estão dispostos e disponíveis a acreditar nessas falsidades, porque o que os move é um suposto dogmático - que os EUA representam a democracia, a civilização, a liberdade no mundo e que, por isso, são objeto de inveja e de rancor dos outros. Que são um povo predestinado, que nasceu para a missão de levar esses valores para o mundo - que por definição é considerado resistente e adversário desses valores.
Tanto assim que o prestigio de Bush na opinião pública dos EUA é afetado realmente pela crise econômica, diante da qual ele é considerado incapaz para reagir positivamente. Não é o fato evidente de que ele mentiu ou pelo menos manipulou as informações dos serviços de segurança que o abala, mas sim o bolso dos norte-americanos.
Mas Bush também mentiu. Ele sabia que não poderia utilizar os mesmos argumentos com o resto do mundo, que não assume essa visão messiânica do povo norte-americano. Teve então - junto com Tony Blair - que mentir ao mundo, dizendo expressamente que tinham provas da existência de armamento de destruição massiva. Suas próprias auxiliares confessaram que os dados não permitiam isso e que se tratou de uma fraude.
Depende então de onde se olhe as declaração de Bush. A maioria dos norte-americanos não se importa que seu presidente lhe minta e minta ao mundo. Está disposta a acreditar ou a fingir que acredita, contanto que isso seja favorável a seus interesses e a sua visão do mundo. Trata-se de uma visão imperial, que permite que seu governo tenha a política belicista e agressiva que mantém.
Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de "Século XX - Uma biografia não autorizada" (Editora Fundação Perseu Abramo) e "Contraversões (com Frei Betto, Editora Boitempo).
Rio de Janeiro, Quinta, 28 de Março de 2024
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