Weber, Ned Kelly, Nelson e os ladrões da Receita

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Publicado sexta-feira, 10 de outubro de 2003 as 15:17, por: CdB

O sociólogo e intelectual Max Weber, em seu estudo “A Política como Vocação”, faz jus ao grande pensador que foi se analisarmos a sua obra. Ao passear pela arte de exercer o poder, seus feitos e defeitos desde o século XVII, as artimanhas dos caciques partidários e a corrupção, ele deu um passo significativo para imortalizar suas declarações. Previu todo o sistema que permeia hoje o cotidiano dos bastidores políticos – e toda a corrupção inerente deles. Séculos depois, o dramaturgo Nelson Rodrigues deu o golpe de misericórdia com a classe de quem concebia a literatura como forma de denúncia, parodiando o ditado popular: “A ocasião faz o furto, porque ladrão você já é”.

Na outra ponta desta curta reflexão, o britânico Petter Carey, ganhador duas vezes do Booker Prize – um conhecido prêmio literário – narra com maestria a vida de Ned Kelly, um irlandês morador da Austrália do século XIX que, por diversos fatores detalhados no livro A história do Bando de Kelly, torna-se o Robin Hood daquele país. Em outras palavras, Ned Kelly seria hoje um misto de “Fernandinho Beira-Mar” do bem – por sua origem pobre e conseqüente exercício de certo poder – com o herói do cinema que conhecemos – roubou para dar aos pobres. Ned teve passado triste, quando criança, o que o tornou um bushranger (o fora-da-lei).

Sua saga ainda hoje é lembrada nas escolas da Austrália e nas ruas do país, um exemplo de um pobre coitado que lutou contra a tirania dos latifundiários e sobreviveu disso. Não roubava de crianças e outros que julgava pobres.Aonde quero chegar com essas divagações: ao contrário
de Ned Kelly, pelo que Weber previu para o futuro da política como profissão e como profetizou o também saudoso Nelson Rodrigues, a política no Brasil é um canal exemplar de corrupção, mas aqui os ladrões de gravatas não escolhem vítimas. Ao tirar dinheiro de cofres públicos, eles assaltam a moral do país e levam para suas contas o pouco de cada brasileiro.

Assim é com alguns governantes, assim foi – e continua sendo – com funcionários de quaisquer hierarquias do governo que lidam com o dinheiro público, como o bando da Receita Federal no Rio. Weber e Nelson escreveram o roteiro. Os ladrões do governo fizeram seu papel, o povo assiste e o cash da bilheteria é levado, sem volta, para os paraísos fiscais.