Publicado Sábado, 08 de Junho de 2019 às 15:38, por: CdB
Talvez Sérgio Moro tenha de dar um tempo: antes dele, quem entrará no STF será um homem de Deus. Bolsonaro teve essa iluminação numa mensagem vinda diretamente de Deus, agora empenhado em salvar o Brasil do deboche e do pecado.
Por Rui Martins, editor do Direto da Redação:
Brasil vai deixar de ser país laico
Ao que parece, o presidente Bolsonaro gosta de brincar com seus fiéis seguidores e de mantê-los em suspense. São testados sob pressão e precisam manter a calma para não se tornarem hipertensos e terem um enfarte.
Que Sérgio Moro seja forte e não se sinta preterido, pois o presidente deu a entender que seu lugar no STF, embora prometido, não é certo. Talvez funcione primeiro a prioridade religiosa, pois o diabo anda solto e é preciso acabar com os abortos e os homossexuais.
Deus precisa ter no STF o primeiro jurista versado nas Santas Escrituras, capaz de punir quem transgride sua Santa Lei – mais importante, é claro, que as leis terrenas. É urgente acabar de vez com os fazedores de anjinhos, colocar nas clínicas os homens e mulheres com distúrbios homossexuais e, enfim, é urgente criar, segundo desejo da ministra Damares, uma geração de jovens capazes de se abster do sexo sem se masturbar.
Por isso, talvez Sérgio Moro tenha de dar um tempo: antes dele, quem entrará no STF será um homem de Deus. Bolsonaro teve essa iluminação numa mensagem vinda diretamente de Deus, agora empenhado em salvar o Brasil do deboche e do pecado, quando conversava com o recém-nomeado corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Humberto Martins, mesmo sendo ele um evangélico do sétimo dia.
Houve um clarão e Bolsonaro ouviu uma voz íntima lhe sussurrar num dos ouvidos: “é esse o novo ministro do Supremo”.
“Sim, Senhor Deus, fala que o teu servo ouve”, respondeu o presidente, extremamente feliz e honrado por ter se tornado um instrumento de Deus.
“Mas um é pouco”, disse-lhe a voz divina, “você tem perto de você, no Planalto, outro fiel servidor, o irmão André Luiz (não o espírita!) Mendonça, da Advocacia Geral da União, ele é presbiteriano. Foi o Boanerges Ribeiro, aqui ao meu lado, quem me soprou seu nome. O Moro vai entender, ele é um bom juiz mas tem um defeito: segue os idólatras romanos e esse Papa vermelho não me agrada”.
“Mas eu já prometi…”, conseguiu o Presidente tirar da garganta num som esganiçado. “Então despromete”, disse-lhe a voz, num tom severo, deixando claro não aceitar contestação.
A ideia de se criar um novo Estado teocrático se tornou muito mais viável e possível com o advento das novas tecnologias e dos modernos meios de comunicação do tipo WhatsApp, Instagram, Twitter e Facebook.
Os indianos ainda passam horas e dias em meditação, esperando o contato com a divindade. No Ocidente, tudo ficou mais rápido: basta um computador ou um celular. Lança-se a pergunta e logo vem a resposta direta dos céus.
E os pastores precisam logo tornar o Brasil um país teocrático evangélico para não sofrer concorrência dos muçulmanos. Quem nos leva a pensar isso é um escritor francês, pichado tanto pela esquerda quanto pela direita, do tipo dos escritores malditos tão caros aos franceses. Trata-se de Michel Houellebecq.
Em seu penúltimo livro, Submissão, acusado de islamofóbico, ele começa contando a pacata história de um professor da Sorbonne, em Paris, quando, por um mal arranjo político dos socialistas, é eleito um presidente muçulmano não pertencente ao grupo jihadista, mas um religioso tranquilo que, em pouco tempo, aproveitando da fraqueza dos socialistas e laicos, instaura a religião muçulmana na Sorbonne, na cultura francesa e na França.
E, de repente, as mulheres estão todas de véu ou xador nas ruas, sem mostrar um pedaço do corpo ou das pernas, não se come mais carne de porco e a cultura francesa vai se tornando muçulmana em troca de vantagens para os professores que aceitam ir se convertendo, também para não perder o emprego. As igrejas católicas são substituídas por mesquitas e a transição se faz de maneira suave, sem choques. Bye bye Jeová ou Deus, bem-vindo Alá!
O professor ganha sua cobiçada cátedra tão logo pronuncia as simples e mágicas palavras da conversão muçulmana, logo depois descobre as delícias da poligamia e sua vida é enriquecida com formosas lolitas, tudo da maneira mais oficial e legal. O sexo deixa de ser o problema opressivo da religião cristã, o pecado é menos presente e as mulheres sabem qual é o seu lugar.
Se um dia a Arábia Saudita conseguir passar sua mensagem de Alá no Brasil e na América Latina, ela se alastrará como o fogo destruidor dos pecuaristas e agroplantadores bolsonaristas nas árvores da Floresta Amazônica.
Alá é também homofóbico, como Jeová, e tem uma lei severa com punições ancestrais – como cortar as mãos dos ladrões ou matar homossexuais e mulheres adúlteras a pedradas. Os machões e machistas brasileiros se converterão aos milhões. Com esses castigos radicais, nem armas serão necessárias. E haverá sempre aquelas delícias às quais o professor da Sorbonne se rendeu. (Publicado também no Observatório da Imprensa)
Para ler outros textos, clique aqui - https://www.correiodobrasil.com.br/Cat/direto-da-redacao/***Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. É criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
Direto da Redação é um fórum de debates, editado pelo jornalista Rui Martins.O Direto da Redação completou dia primeiro de junho cinco anos de existência dentro do Correio do Brasil. Criado em 2001, pelos jornalistas Eliakim Araújoe Leila Cordeiro, em Miami, era distribuído inicialmente para 300 assinantes, hoje é lido por cerca de cem mil pessoas.