Rio de Janeiro, 27 de Dezembro de 2025

Extremistas e refugiados entram em confronto na Alemanha

A polícia alemã afirmou nesta quinta-feira que cerca de 100 policiais foram acionados para conter um confronto ocorrido na cidade de Bautzen, no leste da Alemanha

Quinta, 15 de Setembro de 2016 às 07:29, por: CdB

Cerca de 20 estrangeiros e 80 moradores, a maioria extremistas de direita, enfrentam-se em Bautzen, no leste da Alemanha. Cidade tem sido palco frequente de incidentes xenófobos nos últimos meses

Por Redação, com DW - de Berlim:

A polícia alemã afirmou nesta quinta-feira que cerca de 100 policiais foram acionados para conter um confronto ocorrido na cidade de Bautzen, no leste da Alemanha, entre moradores, em grande parte, militantes da extrema direita, e refugiados.

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A polícia alemã afirmou nesta quinta-feira que cerca de 100 policiais foram acionados para conter um confronto ocorrido na cidade de Bautzen

O porta-voz da polícia local, Thomas Knaup, afirmou que cerca de 80 alemães e 20 imigrantes se enfrentaram na noite de quarta-feira numa praça da cidade. Ao tentar separar os grupos, policiais foram atacados com garrafas, pedaços de madeira e outros objetos por alguns dos refugiados. Os policiais responderam utilizando spray de pimenta e cassetetes.

Extremistas de direita gritaram slogans nacionalistas e perseguiram os requerentes de asilo quando estes voltavam para o abrigo em que residem, enquanto a polícia tentava manter os grupos separados. "Os extremistas gritavam slogans como Bautzen para os alemães".

Mais tarde, alguns dos militantes de extrema direita atiraram pedras contra uma ambulância, para evitar que esta se aproximasse do abrigo e socorresse os imigrantes feridos. Foi necessária a intervenção da polícia para que um refugiado pudesse ser levado a um hospital.

Bautzen, que fica no Estado da Saxônia, tem sido palco de incidentes xenófobos nos últimos meses. Em fevereiro, um incêndio danificou um antigo hotel que estava sendo preparado para receber refugiados, enquanto pessoas festejavam o fogo, reunidas em frente ao edifício em chamas. Algumas delas tentaram impedir o trabalho dos bombeiros. Em março, o presidente alemão, Joachim Gauck, foi ofendido durante uma visita à cidade para discutir a crise dos refugiados com os moradores.

Uma cerca que mudou a Europa

Quando, exatamente um ano atrás, as autoridades húngaras anunciavam que a cerca estava pronta e, com isso, ter fechado a última brecha na fronteira com a Sérvia, todos puderam ver claramente o que estava acontecendo na Europa daqueles dias: enquanto o chefe de Estado húngaro, Viktor Orbán, trabalhava diligentemente para transformar o continente numa fortaleza, o mundo se admirava com as imagens que vinham da Alemanha.

Nas estações ferroviárias do país, milhares de pessoas saudavam os refugiados com flores e ursinhos de pelúcia. E a chanceler federal, Angela Merkel, dava uma dimensão ética à política com as palavras: "Se agora tivermos que pedir desculpas por mostrarmos um rosto amigo frente a uma situação de emergência, então, esta não é a minha terra."

Naquela época, a discussão girava em torno, naturalmente, dos refugiados: de pessoas que procuravam abrigo na Europa, fugindo das guerras na Síria, Afeganistão ou Iraque, como também de outras centenas de milhares de pessoas que foram expulsas de seus países de origem pela miséria, fome ou perseguição. Tratava-se também da questão: em que Europa quer se viver?

Uma Europa aberta

Durante décadas, a resposta europeia a quase todas as crises dentro e fora do bloco europeu era sempre o mesmo mantra: Precisamos de mais Europa! A antiga Comunidade Econômica Europeia cresceu, a cada ano, cada vez mais próxima, evoluindo para uma união, com um mercado comum, uma comissão legisladora e um Parlamento Europeu cada vez mais forte. Houve esforços até em prol de uma constituição comum. Trabalhou-se numa política europeia para assuntos externos, de defesa e sociais. E, muito importante: em grande parte da União Europeia (UE) não havia mais fronteiras! A livre circulação de pessoas e mercados se tornou um princípio, do qual se tinha orgulho. Falava-se da "casa comum europeia" e do "Espaço Schengen sem fronteiras."

Quando Merkel decidiu deixar os refugiados entrarem no país, desprezando todas as regras existentes, ela agiu a partir dessa compreensão europeia. Ela vivia ativamente os valores da UE como uma sociedade aberta e que tem, além disso, responsabilidades perante os refugiados, decorrentes da Convenção de Genebra, como também de suas próprias premissas. E ela apostava na solidariedade dos parceiros de bloco.

Novo nacionalismo

O oposto ao conceito de Merkel é: o menos Europa possível, somente o necessário. Além disso, o comércio deve ser livre, de acordo com o lema: "Cada um por si". Segundo tal credo, a política comum europeia deve ser novamente nacionalizada. Europa só é boa enquanto for útil, sobretudo financeiramente.

De forma consequente, Orbán deixava bem claro, na ocasião, o objetivo que perseguia: no mesmo dia em que Merkel falava sobre um sentimento de humanidade pelo qual ela não queria se desculpar, o presidente húngaro anunciava novas cercas, também na fronteira com parceiros da UE, como Romênia e Croácia. Assim, a ideia de "Schengen" passava a não mais ser um princípio imutável, mas somente uma possibilidade não vinculativa e que se podia ou não usar, como melhor conviesse.

Um ano depois, está claro que Orbán não está sozinho com sua política na casa europeia. Atualmente, há cercas por toda a Europa: a Eslovênia construiu uma na fronteira com a Croácia. A Áustria anunciou a construção de outra na fronteira com a Itália. A Bulgária cercou sua divisa com a Turquia e, com a ajuda da União Europeia, a Macedônia ergueu uma cerca na fronteira com a Grécia. Ao mesmo tempo, diversos países, principalmente no leste europeu, anunciaram não querer acolher refugiados, muito menos muçulmanos. Solidariedade europeia só se vê agora na utilização dos fundos da UE.

Uma "nova" Europa

Mas mesmo da política inicial de Merkel para os refugiados pouco restou: os aliados de outrora lhe viraram as costas, tanto dentro quanto fora da Alemanha. Sob a pressão dos parceiros da União Europeia, como também do sucesso eleitoral do partido populista AfD (Alternativa para a Alemanha), a chanceler federal mudou sua política fortemente. No acordo sobre os refugiados fechado com a Turquia, o que estava em jogo era manter os migrantes o mais longe possível da Alemanha. E com o endurecimento de várias leis, dificultou-se o afluxo de novos migrantes, enquanto se facilitaram as deportações. Merkel nunca vai admitir isso, mas foi o curso de Orbán que prevaleceu, de fato, na União Europeia, e tornou possível também a permanência da chanceler federal no cargo.

A batalha pela alma da Europa, que foi travada simbolicamente há um ano entre uma cerca e as flores para refugiados, está agora decidida: as flores murcharam. A ocasião também marcou o fim da União Europeia da forma como era conhecida há bastante tempo. É claro que a UE vai continuar a existir e a atrair muitos países e pessoas em todo o mundo. Mas, no cerne, trata-se de outra UE, e dela só restou uma parte do que Merkel chamou de "minha terra".

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