O que queremos: Diretas Já?

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Publicado Sexta, 16 de Setembro de 2016 às 13:01, por: CdB

Hoje, temos o mesmo clamor? Diretas já? E basta? O que isso pretende agora? Uma solução pragmática? Corre-se o risco de estarem sendo tramadas as condições para um novo golpe

 
Por Maria Fernanda Arruda - do Rio de Janeiro
  Num primeiro momento, foi a Presidenta Dilma Rousseff quem anunciou: reconduzida ao lugar em que foi posta pelo povo, consultaria o povo brasileiro sobre a antecipação das eleições gerais agendadas para 2018. Tendo rompido a bolha com que a envolveram os áulicos de Palácio, ela foi ao povo, conviveu e ouviu. E retornou, contando das críticas duras que ouviu. Admitindo erros sérios, considerou que, estando a ser impugnada pela oposição por rejeição ao "conjunto de sua obra", aceitaria a precipitação de novas eleições, caso desejado pelos cidadãos. Seria uma forma de pacificação dos ânimos, a recriação das condições de um governo subtraído pelos inconformados.
unnamed2.jpgMaria Fernanda Arruda é colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras
Dilma Rousseff não foi respeitada, e, antes dela, 54 milhões de brasileiros. E, como foi violentada na sua autoridade, não cabe mais que se lembrem as suas palavras, como se fora uma proposta a valer a qualquer tempo e sob quaisquer condições. Sejamos claros e honestos: a pura e simples antecipação das eleições passa a ser um segundo golpe, um segundo desrespeito à Ordem Constitucional, com o efeito trágico de validação do primeiro, a sua aceitação, o esquecimento de que se criou a ordem urdida pelos canalhas. Mas, se não tão lógicos e claros, poderíamos aceitar essa solução de compromisso como remédio pacificador dos ânimos, fazendo com que brasileiros, os respeitáveis e os canalhas, passassem a dar-se as mãos? A possibilidade, admitida até mesmo por Mino Carta, vale como voto de intenção, vontade de que seja restabelecida a ordem e a concórdia. Pode-se restabelecer o que nunca existiu? A casa grande jamais concordou com a senzala, apenas a animalizou e explorou. O povo brasileiro foi ensinado por suas elites à covardia do acomodamento, da continuidade, para que não se enfrente o desafio do que não se experimentou ainda. A História do Brasil, orientada pelo não rompimento,conduzida pelas conversações, negociações, ajustes e acordos, fica abaixo da linha da mediocridade e chega aos limites da covardia. Cultivamos ainda um 7 de setembro, como data da Independência que o Colonizador nos deu. Quem foi Jose Bonifácio, o Patriarca dessa cópia mal feita? José Bonifácio,homem que de fato frequentou por pouco tempo o Brasil, preocupado em estudar diversas ciências na Europa, mais adiante no final da vida, concedendo-se o direito de usufruir os confortos culturais do Velho Mundo, além de ter sido político hábil, permitiu-se o idealismo, pois, do Brasil, conhecia pouco. Revoltado contra a escravidão do negro, permitiu-se aconselhar: “misturemos os negros com as índias, e teremos gente ativa e robusta - tirará do pai a energia, e da mãe a doçura e bom temperamento”. Sobre os próprios brasileiros, seus juízos acomodavam-se ao reconhecimento de superioridade do mundo branco europeu. Para ele: “Os brasileiros mostram altivez nas baixezas, amor-próprio nas bagatelas e obstinação em puerilidade . “Os brasileiros, para viverem, não tem quase necessidade de trabalhar, a natureza dá-lhes tudo de graça”. “O brasileiro é ignorante, porém vaidoso…”.
fora-temer3.jpgO povo, na rua, pede a saída de Temer e a realização de eleições diretas, já!
“Agricultura e mais agricultura, e todos os meios de a entendê-la e aperfeiçoá-la - depois minas e bosques”. E enfim uma dose de realismo muito pragmático: “O governo deriva da propriedade e não vice-versa.” Isso está escrito em sua obra "Projetos para o Brasil". Do Império, o único a assumir o ridículo de pompas européias, ainda que ficando abaixo da Linha do Equador, o Brasil passou à República dos barões, os herdados desse Império de penas de papagaio que adornavam o manto imperial, e os do café. Por toda a Republica Velha, o Brasil não foi a pátria de seu povo, na verdade criando e consolidando o Estado Cartorial que perpetua o mandonismo dos coronéis. E depois dela, o que se realizou de diferente? Os governantes que se voltaram para o povo, Vargas, João Goulart, Lula, Dilma, foram negados, aviltados, perseguidos. Quando o Brasil será dos brasileiros? Diretas já? O brado já ecoou pelo Brasil inteiro, quando as elites insistiam em usar o bridão e ordenar o "calem a boca". O povo foi às ruas e praças, ouviu as lideranças políticas, foi traído pelo Congresso e abandonado pelos oradores de palanque. Mas aceitou Tancredo Neves, para sepultá-lo como herói nacional. Onde esteve o ato heroico? Quem foi vice-presidente de Tancredo Neves? O coronel José Sarney, empossado pela espada de um general e bem aceito como "pacificador". O sepultamento de Tancredo Neves o colocava no altar dos santos patriotas. Os que fizeram a ditadura nos deram a "Constituição Cidadã" e ficamos felizes com ela, como sempre acomodados àquilo que já era conhecido. Muito complexa, pois, a relação "senhor-escravo", até porque se criam liames psicológicos entre torturadores e torturados. Pode-se lembrar o "complexo de Escolmo"? Mas um filósofo já havia esgotado o tema ao mostrar a relação dialética entre senhor e escravo. O povo explorado aceita, em última instância a exploração, temendo a liberdade que nunca experimentou. Como explicar os votos concedidos a Eduardo Cunha e Bolsonaro? Hoje, temos o mesmo clamor? Diretas já? E basta? O que isso pretende agora? Uma solução pragmática? Corre-se o risco de estarem sendo tramadas as condições para um novo golpe: Michel Temer seria mantido até 2017, quando, por ligação umbilical com a presidente que ele traiu, não eleito pelo povo, mas envolvido no mesmo processo eleitoral, estaria sujeito a pena idêntica: o afastamento. Deposto então, e enfim seria cumprida a Constituição, fazendo-se eleições indiretas ... agora, muito a contra-gosto, teríamos que aceitar o que nos foi dado em 1985, então recebido com euforia: Tancredo Neves foi eleito de forma indireta, pela confraria dos quartel.

Diretas Já?

A pressão dos interesses econômicos será a mesma, exercida sobre os mesmos partidos e os mesmo políticos, sob ordem e comando do presidente do TSE, o senhor Gilmar Mendes. figura abjeta e capaz de toda e qualquer torpeza. Quem o possível escolhido pelo povo? Lula -2018? Uma hipótese tão simpática quanto improvável. E, se eleito Lula, governaria com o Congresso canalha, com o Judiciário canalha, com o TCU hipertrofiado pela incompetência de um Ministro da Justiça e manobrado por preposto do PMDB? Os donos do Poder Econômico, facilitados por incompetências toleradas pelo mesmo Lula, controlam o Congresso Nacional e o Poder Judiciário. Quem duvida continuidade da perfídia de Lewandowski? Sem intransigência, afirmemos: Já temos presidenta. Não há espaço para eleições, negociação pobre e imoral dos explorados, estendendo a mão aos glutões: escravos acarinhados pelos seus senhores? Nada decente será feito na companhia de Paulo Maluf, Jose Sarney, Collor de Mello, Renan Calheiros. A relação de canalhas é extensa,em contrapartida, haverá sempre mais gente honesta e competente. O mais óbvio: Dilma Rousseff precisa governar, não só com a honestidade que lhe é intrínseca, mas com a competência política e administrativa que não lhe permitiram exercer os que seguiram a sanha de um dependente, acoitado no prestígio elitista de um acadêmico roto. Desde logo, pondo-se mesmo como governante de todos os brasileiros dignos. Os criminosos de 1964 e dos anos de chumbo que se seguiram a ele não foram punidos com prisão, mas foram execrados. Que os de hoje sejam expostos também à execração pública. Há muito o que exigir do Partido dos Trabalhadores e de Lula. Respeito ao direito de receber o apoio de outros partidos políticos inspirados no povo, como o PCdoB. E o apoio de homens, como Roberto Requião, que fez ouvir a sua voz no momento necessário. Dilma Rousseff, assessorada por gente de brio e competência, é a alternativa para um governo que se oriente por um projeto econômico viável e competente, pondo-se de lado definitivamente o modelo neoliberal que serve aos interesses dos banqueiros e rentistas. Sugestão: Carlos Lessa e Luis Gonzaga Belluzo, Celso Amorim. O Brasil precisa e pode ter um plano de desenvolvimento econômico e social, que dê aos programas incentivados por Lula a possibilidade de ultrapassar os limites de uma política "assistencialista", permitindo a integração social da grande maioria marginalizada nas periferias e nas favelas. Os anos anos de 2015-2016 não foram perdidos: Dilma tem hoje a maturidade política que a convida a ser a voz de dezenas de milhões de brasileiros. Estamos sempre a indicar caminhos e exigir ações aos nossos governantes legítimos. Em poucos momentos nos damos conta das responsabilidades que nascem da cidadania. O exercício da cidadania é direito e obrigação: ela é que aponta para o caminho das ruas e das praças. O perigo representado pelos que utilizam o poder econômico para impor a ditadura só poderá ser afastado no espaço público. Brasília não é hoje espaço público, é o esconderijo das máfias. Dilma não ocupará sozinha o imenso espaço público, que deve ser o ponto de encontro seu com o povo. Um encontro que, e isso sim não pode esperar, deverá parir muito mais do que a repetição de slogans: são necessários planos de ação, habilidade política, competência de gestão, propostas que nos unam e que permitam o uso da justa força ... sem jamais perder a ternura. Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
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