Venceremos todos. Alguns, não.

Arquivado em:
Publicado Sábado, 26 de Outubro de 2002 às 12:43, por: CdB

A mais disputada das eleições encerra-se com a mais harmoniosa das transições. Retomando a função de Narrador, o presidente Fernando Henrique Cardoso deu mais um passo para integralizar a democracia brasileira, tirando-a da condição de mero diploma legal para convertê-la em estado efetivo. ''Vamos vencer, vença quem vencer'', disse na quinta, para empresários, no Rio. É talvez uma das mais importantes propostas de mudança que se processarão no quadro institucional brasileiro a partir da próxima segunda-feira. A noção de que o confronto acaba depois de proclamados os resultados, mas o país continua além dos pleitos, poderá produzir inimaginável avanço. E não apenas de caráter subjetivo no tocante ao respeito pelo outro. Estamos treinando para expulsar o fantasma da política de terra arrasada que caracteriza a alternância no poder. A descontinuidade tem sido nosso grande vilão. O país não avança como poderia porque cada vitorioso assume-se como messias presunçoso e vingador, certo da sua infalibilidade. E começamos tudo de novo. O prazer de desfazer tem sido maior do que o desafio de fazer - este o nosso drama. Jânio Quadros com a sua vassoura insana e mudancista foi o protótipo de uma odiosa varredura que jogou o país em duas décadas de ditadura. Queria mudar tudo, a partir do próprio guarda-roupa, impondo o safari terceiromundista, e o resultado foi a volta da surrada farda. Mudar não significa cortar tudo, que o digam as almas penadas dos revolucionários franceses e russos que, do inferno, logo depois, assistiram ao retorno à estaca zero. Os espasmos de voluntarismo que se sucedem a cada troca de guarda acabaram com a figura do funcionário público, garantidor das seqüências, fiel da segurança, artífice da governabilidade. A função pública impõe um compromisso permanente com a coisa pública que os arroubos revanchistas dos vencedores tornam precário. O belíssimo estudo de Antônio Cândido editado por sua filha, Ana Luísa Escorel, Um funcionário da Monarquia, ensaio sobre o segundo escalão , oferece material para refletir sobre a questão da estabilidade e da continuidade. Venceremos todos, desafia o presidente. Mas no dia anterior o Poder Judiciário perdeu o respeito e pontos preciosos na estima daqueles que deveria proteger. Ao autorizar a censura prévia no Correio Braziliense, um magistrado da capital identificou a reforma sobre a qual ninguém fala: a do Judiciário. Evidenciou-se de forma dramática que a administração da justiça é a mãe de todas as nossas mazelas. O pior é que esses censores togados que se substituíram aos censores fardados não foram produzidos por geração espontânea. São acionados pelo quinhão de autoritarismo que persiste em muitas almas (no caso o candidato Joaquim Roriz) mas contam com a conivência ostensiva de setores ponderáveis da sociedade e a indiferença quase unânime dos restantes. Quando o então governador Garotinho conseguiu da Justiça o embargo impedindo que os veículos do grupo Globo prosseguissem na série de reportagens sobre os negócios da sua família, militantes do PSB levantaram-se contra a ''perseguição'' que seu candidato sofria nas mãos da mídia. Quando o TSE regulamentou um Código Eleitoral oriundo do Congresso que admite a necessidade de censura (em rádio e TV), abriu caminho para a avacalhação de uma cláusula pétrea em nossa Carta Magna: a inviolabilidade do direito de manifestação, em qualquer circunstância. E, no entanto, corporações profissionais de jornalistas admitiram que a censura eletrônica na temporada eleitoral era um mal menor se comparado com a escancarada preferência política promovida por rádios e TVs distantes dos grandes centros. Em doses homeopáticas e nenhuma repugnância estamos aprendendo a viver no serpentário do absolutismo. Venceremos todos, anima o presidente. Mas o secretário municipal de Saúde, o sanitarista Eduardo Jorge, saiu perdendo. Pela segunda vez neste ano foi espinafrado pelos camaradas petistas porque ousou defender a

Tags:
Edição digital

 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo