O xeque-mate de Barra Torres e o perjúrio de Bolsonaro

Arquivado em:
Publicado Quinta, 13 de Janeiro de 2022 às 06:37, por: CdB

 

O Contra-Almirante usou as “torres” que tem no nome para dar um xeque-mate em Bolsonaro, aquele lance das partidas de xadrez em que o jogador deixa o Rei de seu adversário sem saída.

Por Marco Campanella – de Brasília

No dia 6 de janeiro (quinta-feira), em entrevista concedida à Rádio Nova FM de Pernambuco, Jair Bolsonaro, o negacionista-geral da República, conforme O Antagonista, questionou o interesse da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em ter aprovado a vacinação contra a covid para as crianças brasileiras, especificamente aquelas que estão na faixa etária entre 5 e 11 anos de idade.
torres.jpeg
Contra-Almirante RM1 Médico Antonio Barra-Torres, presidente da Anvisa
A agência autorizou no dia 16 de dezembro o uso do imunizante da Pfizer no público infantil, depois de avaliação técnica do pedido da farmacêutica norte-americana. O que está por trás disso? Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse daquelas pessoas taradas por vacina? É pela sua vida, pela sua saúde?”, disse o mandatário. E continuou com sua ladainha de sempre. “Você pai e você mãe, veja os possíveis efeitos colaterais. A própria Pfizer diz que outros possíveis efeitos colaterais podem acontecer a partir de 22, 23 ou 24 anos. E você vai vacinar teu filho contra algo que, o jovem, por si só, uma vez pegando o vírus, a possibilidade dele morrer é quase zero?”, prosseguiu. As declarações foram feitas mesmo depois que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) divulgou dois estudos reforçando a segurança dos imunizantes contra a covid em crianças. De acordo com o órgão, os efeitos colaterais são muito raros, ao contrário do que afirmou Bolsonaro. Nesta mesma entrevista, o chefe do Executivo disse desconhecer óbitos de crianças em razão do coronavírus. – Eu pergunto: você tem conhecimento de uma criança que tenha morrido de covid? – disse o presidente. No entanto, o próprio Ministério da Saúde de seu governo reconheceu que, pelo menos, 311 crianças morreram em decorrência da covid. A reação à declaração (mais uma) irresponsável de Bolsonaro foi imediata. Várias entidades médicas e científicas o contestaram. O Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), em 24 de dezembro, às vésperas das festas natalinas, divulgou uma carta destinada às crianças incentivando a vacinação contra a covid e refutando a obrigatoriedade da prescrição médica que o governo, através do Ministério da Saúde, havia então imposto, como forma de resistir à imunização do público infantil, na esteira do negacionismo bolsonarista. No mesmo dia, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), em nota oficial, manifestou-se na mesma direção e pediu “urgente implementação de estratégias” para reduzir risco de complicações, hospitalizações e mortes do público infanto-juvenil provocados pela pandemia, após concluir que as mortes da população pediátrica não estão em “patamares aceitáveis”. A Rede Globo emitiu duro editorial denunciando Bolsonaro por afrontar a verdade e desrespeitar o luto de milhares de brasileiros. Nada disso foi suficiente para evitar o ataque de Bolsonaro à Anvisa nos primeiros dias do novo ano, levantando suspeitas sobre a integridade da decisão que autorizou (gr.nosso) o uso da vacina contra a covid para as crianças.

Uso do imunizante

O grifo não é acidental, pois, como bem explicou o dirigente máximo da Anvisa, o órgão apenas autoriza o uso do imunizante: o Ministério da Saúde, em última instância, é o órgão responsável pela inclusão ou não das vacinas para o público infantil em seu Programa Nacional de Imunização (PNI). Esses acontecimentos sucederam a última live de Bolsonaro de 2021, transmitida de Santa Catarina, onde curtiu o segundo ócio remunerado tirado em dezembro, mesmo diante das consequências trágicas das chuvas na Bahia e em Minas Gerais, quando entupiu-se com um camarão não mastigado, interrompendo a farra das novas férias. Nesta live,  solicitou os nomes dos servidores da Anvisa que respaldaram a decisão pelo uso do imunizante contra a covid nas crianças, fato que resultou na intensificação de ameaças de morte aos integrantes da agência, conforme o próprio órgão denunciou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Barra Torres chegou a informar que as declarações com o intuito de impedir a aplicação de vacinas em crianças de 5 a 11 anos “contribuíram sobremaneira para o número aproximado de 170 ameaças” contra o órgão.) No último sábado, o Contra-Almirante RM1 Médico Antônio Barra Torres, diretor presidente da Anvisa, diante da gravidade da situação, emitiu uma nota em que desafia Bolsonaro a apresentar provas sobre corrupção no órgão controlador por ter aprovado a imunização de crianças entre 5 e 11 anos de idade contra a covid-19. “Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, Senhor Presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa, aliás, sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar.”, afirmou Barra Torres. E acrescentou, na mesma nota: “Agora, se o Senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate. Estamos combatendo o mesmo inimigo e ainda há muita guerra pela frente. Rever uma fala ou um ato errado não diminuirá o senhor em nada. Muito pelo contrário”.

Xeque-mate em Bolsonaro

O Contra-Almirante usou as “torres” que tem no nome para dar um xeque-mate em Bolsonaro, aquele lance das partidas de xadrez em que o jogador deixa o Rei de seu adversário sem saída, levando-o à derrota, mesmo que sua situação no tabuleiro seja de vantagem. O xeque é evidente e é mate, pois Bolsonaro não possui o mais leve vestígio de prova de corrupção na decisão da Anvisa, baseada estritamente nas evidências dos estudos científicos de que as vacinas são recomendáveis para as crianças. Como na música de Tony Brasil e Diogo (“Leviana”), entoada por Reginaldo Rossi, Bolsonaro foi, para ser condescendente, no mínimo, leviano ao levantar as suspeitas sobre a decisão da Anvisa. Mas, todos sabemos, foi muito mais que leviano. Foi irresponsável, vil, imprudente, inconsequente, entre outras dezenas de adjetivos que poderíamos elencar. Cometeu perjúrio. Para os cristãos, especialmente os católicos, implica fazer um juramento falso, que viola a virtude da religião e constitui um “pecado” por carregar uma mentira. Mais uma contundente prova de que Bolsonaro e o bolsonarismo representam a negação do cristianismo e que sua profissão de fé na Bíblia e na religião não passa de repugnante encenação. A declaração do desajuizado tem a ver, principalmente, com seu caráter. Recentemente, a agência de checagem Aos Fatos apresentou um levantamento pelo qual Jair Bolsonaro deu uma média de 6,9 declarações falsas ou distorcidas por cada dia de 2021, batendo o recorde em mentiras, sendo a maioria sobre a covid-19.

Bolsonarista de fake-news

Pela sua natureza, não apresentará provas, que não existem, como também não atenderá ao pedido de Barra Torres para se retratar. Será mais uma das leviandades a ser incorporada ao arsenal bolsonarista de fake-news e mentiras. Trata-se da repetição de um comportamento intrínseco a Bolsonaro quando está perdendo ou na iminência de perder o jogo. Lembram-se das urnas eletrônicas, caluniadas pelo mandatário em sua live de 29 de julho de 2021, diante da derrota do projeto do voto impresso no Congresso Nacional e da decisão da Justiça Eleitoral de assegurar a integridade do voto eletrônico? A live foi montada sem nenhum critério, com base em boatos extraídos da Internet, sem checar as informações e, por fim, ignorando alertas de peritos criminais da Polícia Federal (PF) sobre erros nos dados. Foi assim, também, e principalmente, durante toda a pandemia. Perdeu para a ciência e as vacinas, embora o terraplanismo sanitário, baseado no “tratamento precoce” e na “imunidade de rebanho”, dele e de sua turba, tenha provocado uma grande tragédia. Os dados mais cautelosos indicam que, pelo menos, um terço das vidas perdidas para a covid teriam sido poupadas se os imunizantes tivessem chegado antes. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal chegou a essa constatação, assim como várias autoridades médicas e científicas, apontando claramente a responsabilidade do governo federal pelo atraso no início da imunização e apresentando provas, materiais e testemunhais, de corrupção que grassava no Ministério da Saúde, com o pleno conhecimento de Bolsonaro. Aliás, se dependesse dele e de seu governo, nem mesmo em janeiro de 2021 a vacinação teria começado. Só começou diante do expressivo apoio social e do protagonismo do Instituto Butantan do governo de São Paulo, com a vacina CoronaVac. Bolsonaro é daquele tipo que, quando criança, diante da partida perdida, ou levava a bolava para casa ou botava a culpa no juiz. Não mudou. Adotou esse procedimento durante a vida toda, fato que se agravou, como não poderia ser diferente, no exercício da Presidência da República. Na trágica condução ultraliberal da economia, terceirizada ao representante-mor do mercado e do sistema financeiro, Paulo Guedes, também não foi diferente, embora, nesse terreno, tenha tido o beneplácito da herança funesta recebida por Temer e dos desacertos dos governos hegemonizados pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Direitos democráticos

Esses últimos, mesmo tendo sido muito melhores do ponto de vista dos direitos democráticos e da justiça social, não foram capazes de fazer a inflexão necessária à política neoliberal em curso há décadas no país, fato que se agravou com as denúncias e condenações oriundas do chamado “Petrolão”, só atenuadas pela postura gravosamente parcial de um juiz que se aliou aos órgãos acusadores e, depois, tornou-se ministro do atual governo. Certamente, esses fatores estão contribuindo pela atual leniência do bolsonarismo no país. Afinal, como um presidente tão perverso e nefasto, na condução da pandemia e da economia, inimigo indisfarçável da democracia e adepto dissimulado do fascismo, consegue, ainda, conforme pesquisa do instituto Poder Data, entrar em 2022, período pré-eleitoral, com uma aprovação de 31%, contra uma reprovação, é verdade, de 61%? Um forte e renovado motivo para os democratas, patriotas e progressistas do país se unirem em torno de dois objetivos fundamentais e inadiáveis. Primeiro, perseverar na construção da frente ampla, inclusive no plano eleitoral, a despeito das diferenças que se apresentem no primeiro turno do pleito presidencial, para isolar ainda mais Bolsonaro, reduzir ao máximo as possibilidades dele tentar virar a mesa, levar a bola para casa e responsabilizar o juiz, no caso, a Justiça Eleitoral, e derrotá-lo em sua tentativa de dar continuidade ao (des)governo mais trágico que o Brasil já teve. Segundo, persistir na defesa e adoção de um programa emergencial de matriz nacional-desenvolvimentista, com ênfase na retomada do emprego, da renda e do consumo nacionais, e do resgate do papel do Estado e dos investimentos públicos na recuperação da economia, algo bem diferente do social-desenvolvimentismo exibido pelo ex-ministro Guido Mantega (PT) em recente artigo no jornal Folha de S. Paulo e bem desnudado em outro artigo, do Diretor de Redação da Hora do Povo, Carlos Lopes. Não são tarefas fáceis, é verdade, mas absolutamente compatíveis com a grandeza do Brasil e a brava trajetória de lutas de seu povo e de seus líderes históricos.

Marco Campanella, é jornalista, foi Editor-Chefe do Jornal Hora do Povo e é membro do Comitê Central do PCdoB.

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

Edição digital

 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo