Rio de Janeiro, 10 de Novembro de 2024

Cara de macaca Sofia

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Segunda, 07 de Setembro de 2015 às 05:08, por: CdB
Por Maria Lúcia Dahl, do Rio de Janeiro:
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Exagero faz parecer macaca Sofia!
Tento ligar a TV pra me entreter um pouquinho, mas começam a mostrar a derrubada de um templo do século 1, pelo Estado Islâmico. Já tinha acabado de ver as demolições em Laranjeiras, o estado em que se encontra o Largo do Boticário, toda a minha infância sendo derrubada pelo Rio afora, atraz de um cartaz “vendo-alugo”, pra se construir prédios pavorosos espalhados pelas ruas . Se a gente muda de canal, assiste a assassinatos, roubos, explosões, então resolvi não ver mais nada e desliguei a televisão. Minha amiga sai do banheiro depois de demorar horas se maquiando pra jantar fora comigo em algum lugar que ainda exista ou tenha gente, nessa cidade que acabou com todos os bares e restaurantes que costumávamos frequentar quando jóvens ou nem tanto. E quando minha amiga se vê de repente no espelho da sala, comenta, espantada: -Nossa! Estou parecendo a Macaca Sofia! Minha filha que passava na hora, perguntou espantada: -Quem é Macaca Sofia? Até eu levei um susto com a lembrança da macaca, que tirei, divertida, do fundo das minhas recordações. Não sei se ela foi do meu tempo ou se ouvi falar dela pelo meu pai, que em geral brincava, só pra me deixar desconcertada, bem na hora de eu sair. “Ih! Tá parecendo a Macaca Sofia!” Pois bem. Macaca Sofia não era nenhuma prostituta da época, dona de prostíulo ou bordel. Era uma macaca mesmo que habitava o Jardim Zoológico, e não sei se a vi em pessoa (ou em bicho, no caso,) ou se só ouvi falar dela, ficando mesmo íntima da macaca sem que a própria nem tomasse conhecimento de mim. Minha irmã, (figurinista doente!) diz que viu a macaca no Zoológico mas que só se lembra da saia pregueada que ela levantava pra mostrar a calcinha branca. Enfim, Macaca Sofia, na minha infância, era sinônimo de sem vergonha, exagero, mau gosto, cafonice, pro estilo rigoroso da época, pois maravilhada com sua própria imagem refletida no espelho da trousse dourada, diante da qual, ficava horas,a macaca, encantada, passava o dia inocentemente, botando pó de arro0z, rouge (o antecessor do blush) e baton, como se ali, do fundo daquela ´platéia que a assistia com risos de deboche, fosse sair o Príncipe Encantado, que a compreenderia e tiraria daquele lugar, tornando-a feliz para sempre. Tenho muita simpatia por esse tipo de personagem dos quais as pessoas zombam por exibirem sua criatividade com a ingenuidade da criança, do animal ou do louco. Como os pacientes da Dra Nise da Silveira, Dona Olimpia, de Ouro Preto, que só foi considerada uma velha maluca porque nasceu antes da era hippie com seus figurinos coloridos e maquiage à la Macaca. Mas mesmo com toda a simpatia que eu podia nutrir por Sofia, foi a Macaca que sempre me alertou pro mico do exagero, reprimindo-me com sua trousse de maquiage do fundo do meu inconsciente. E quando comecei a copiar a maquiage da Twiggy tatuando aquelas pestanas imensas na base dos olhos com delineador negro, baixava o meu pai lá de uma viagem lisérgica pra dizer: “Qual! Igualzinha a macaca Sofia!” Acho que a macaca simbolizava um pouco a loucura pra minha geração, o que às moças direitas não era devido, obrigando-nos a nos contentar com um ligeiro baton Tanger, cor da pele, e beliscões da minha mãe nas minhas faces pra ficarem coradas antes da festa. Prefiro o mistério da Macaca Sofia, sua criatividade, ingenuidade, individualidade, inspiração Tem um quê de trágico na figura delicada de Sofia, de Quasímodo, de artista, de bôbo da corte. Queria que ela soubesse do meu amor por ela, contar-lhe o que representa pra mim, como ela marcou minha geração, e declarar-me, com todo respeito, sua macaca, eterna de auditório. Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes entre os quais – Macunaima, Menino de Engenho, Gente Fina é outra Coisa – 29 peças teatrais destacando-se- Se Correr o Bicho pega se ficar o bicho come – Trair e coçar é só começar- O Avarento. Na televisão trabalhou na Rede Globo em cerca de 29 novelas entre as quais – Dancing Days – Anos Dourados – Gabriela e recentemente em – Aquele Beijo. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil e algum tempo no Estado de São Paulo. Escreveu 5 livros sendo 2 de crônicas – O Quebra Cabeça e a Bailarina Agradece-, um romance, Alem da arrebentação, a biografia de Antonio Bivar e a sua autobiografia,- Quem não ouve o seu papai um dia balança e cai. Como redatora escreveu para o Chico Anisio Show.Como roteirista fez recentemente o filme – Vendo ou Alugo – vencedor de mais de 20 premios em festivais no Brasil. Direto da Redação, editado pelo jornalista Rui Martins.
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