Rio de Janeiro, 17 de Dezembro de 2025

Crônicas de um golpe: Jornalistas na resistência

Por Gilberto de Souza - O Correio do Brasil, assim, mantém-se como a agulha da bússola que aponta o Sul como orientação geopolítica, na certeza de que um outro mundo é possível

Segunda, 04 de Abril de 2016 às 13:43, por: CdB

O Correio do Brasil, assim, mantém-se como a agulha da bússola que aponta o Sul como orientação geopolítica, contra o golpe de Estado, em curso, e na certeza de que um outro mundo é possível

 
Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro
Por um instante, tudo parecia perdido. O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o vice-presidente da República, Michel Temer, posavam faceiros ao lado de um dos filhos do empresário Roberto Marinho, durante homenagens à rede de TV que, ao longo de duríssimos 21 anos, apoiou a ditadura militar. Formavam o retrato da tentativa de golpe, no seu início.
temer-marinho.jpgUm dos filhos do empresário Roberto Marinho e o vice-presidente, Michel Temer
A disseminação do ódio, na tentativa de golpe, é tamanha que petista virou sinônimo de 'terrorista', em verbete de dicionário
Nestas fotos, reuniam-se o Legislativo corrompido, o Executivo golpista e o representante do Quarto Poder, ligado aos interesses transnacionais. Estava escrito o roteiro de desatinos que se seguiriam nos meses seguintes, exatamente esses em que vivemos, agora. Os principais atores da nova ária, na ópera vulgar em que o vice tenta derrubar a presidenta, definiram em detalhes a retórica a ser desfraldada aos brasileiros que, pensavam eles, seguiriam a flauta de Hamelin. No arcabouço do discurso golpista foram usados todos os truques possíveis. Pintaram os fascistas de verdeamarelo, criaram movimentos pré-moldados para unificá-los em passeatas e bateções de panelas, subsidiadas com recursos dos irmãos Koch, depois os enquadraram no plano mais fechado possível das câmeras, para sugerir que tinha bastante gente e abriram muitas bandeiras nacionais. Agiram com truculência, na tentativa de intimidar os brasileiros comuns, filiados ou não aos partidos de esquerda, bastando que estivessem vestidos de vermelho. Agiram como alucinados nas redes sociais, na tentativa — quase bem sucedida — de disseminar o ódio e a intolerância. Não esperavam, contudo, que a sociedade brasileira estivesse tão madura e apaixonada pela Democracia. O contravapor custou a chegar. Antes, foi preciso tirar do caminho os agentes da iniquidade, infiltrados nas altas esferas do governo, que sabotaram as Comunicações e transferiram verdadeiras fortunas aos veículos de comunicação aliados à tentativa do golpe de Estado, em curso. Contratos, ainda em vigor, asseguram o pagamento de milhões de reais, mensalmente, aos jornais, revistas e canais de TV comprometidos com a derrubada de um governo eleito por mais de 54 milhões de votos.
cunha-marinho.jpgCunha presidiu uma sessão especial da Câmara dos Deputados, em homenagem à concessão pública de TV da família Marinho, que apoia o golpe
Mas chegou. Proliferam, nos últimos dias, os atos de desagravo à presidenta Dilma e de garantia popular à luta pela preservação do Estado democrático. Com o apoio de grupos como o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, coordenado pelo cientista político Theófilo Rodrigues, já se constrói uma agenda de resistência. Nesta segunda-feira mesmo, no Leblon — quartel-general da extrema direita — em pleno Teatro Casagrande, um ato organizado pela resistência abre a semana. Enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva busca uma alternativa parlamentar à sua política de alianças, no front da Câmara dos Deputados, as ruas expõem, no brado: “Não vai ter golpe!”, o risco que correm os defensores da ruptura democrática. Na outra ponta, jornalistas dos mais diferentes matizes e linhas editoriais posicionam-se contra o repeteco da História e abraçam a defesa da norma constitucional. Nesta manhã, um grupo de jornalistas, associados ou não da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), posicionou-se “na defesa da legalidade democrática e contra a tentativa de golpe midiático, judicial e parlamentar em andamento no Brasil”, segundo nota recebida aqui, na redação do Correio do Brasil. O manifesto segue em aberto para adesões de mais jornalistas independentes “que fazem questão de se manifestar publicamente condenando a manipulação da informação que vem sendo colocada em prática por vários grandes veículos de comunicação conservadores”, afirma o documento. Leia, adiante, os principais trechos do manifesto: “Nós jornalistas, associados da ABI ou não, vimos, através desta, manifestar publicamente nosso repúdio às tentativas em curso de eclosão de um golpe midiático, judicial e parlamentar, que levará o Brasil à quebra da ordem constitucional com a derrubada da presidenta constitucional Dilma Rousseff.
republica-curitiba.jpgA extrema direita conta com o apoio da mídia golpista na narrativa do movimento a favor do golpe
“O que nos move também é evitar que aconteça com a nossa entidade secular o mesmo que ocorreu em 1 de abril de 1964, quando a diretoria da ABI em um primeiro momento apoiou a quebra da ordem constitucional que resultou na derrubada do presidente da República, João Goulart e 21 anos de uma ditadura empresarial militar que torturou, assassinou e prendeu quem se insurgia contra o regime de exceção, além de longos anos de censura à imprensa. “Cumpre ressaltar que perdemos entre outros membros da Casa dos Jornalista, o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony que precisava de um documento assinado por um dirigente de classe, comprovando que ele não era terrorista, isto para não ser preso, o que foi negado pela diretoria da ABI e posteriormente pelo Sindicato dos Jornalistas, que inclusive o expulsou de seu quadro de associados “Nos dias atuais, em pleno Terceiro Milênio, lamentavelmente, a grande mídia brasileira se posiciona de forma antijornalística, comportando-se na prática como partido político defensor de valores antidemocráticos, como aconteceu em outros momentos históricos de crise política em nosso país, entre os quais em agosto de 1954, que culminou com a morte do Presidente Getúlio Vargas, as tentativas de derrubar o então presidente eleito Juscelino Kubitschek e ainda o golpe de 1º de abril de 1964.
chico-pinheiro-300x187.jpgChico Pinheiro é âncora de um telejornal da Globo e posiciona-se contra o golpe
“Não podemos esquecer que, durante a ditadura empresarial/militar, Juscelino Kubitschek foi levado várias vezes às dependências da Polícia Federal para prestar depoimento sobre a "compra de um imóvel", utilizando-se então o mesmo modus operandi atual contra o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. “A única diferença é que hoje a conspiração ocorre em escala continental/ocidental. A informação é uniformizada de forma estratégica visando alienar num primeiro momento, seguindo a linha de Joseph Goebels, o responsável pelo departamento de propaganda do III Reich nazista para posteriormente manipular, criando fatos como, por exemplo, juízes heróis dispostos a trabalhar na promoção de espetáculos de justiçamento 'em nome do povo', mas que em verdade, somente atendem aos interesses dos blocos de empresas de comunicação e de acionistas que faturam com a quebra da Petrobrás. “Hoje, a omissão de fatos importantes e destaque desproporcional na cobertura dos acontecimentos é visível  e objetivam fazer cabeças, ou seja, influenciar no posicionalmente da opinião pública em favor de um dos lados. Como exemplo concreto, vale destacar editoriais da imprensa ofensivos à presidente da República , como o do jornal The New York Times e o silêncio sobre o pedido do presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez, no sentido da União das Nações Sul Americanas (Unasur) se posicionar em defesa da ordem constitucional ameaçada no Brasil pela campanha contra a presidenta Dilma Rousseff. “Repudiamos também a tentativa de golpe na área do judiciário quando juízes acionam dispositivos, ilegais de fato e de direito, que estão levando o país ao acirramento de ânimos que poderão conduzir até uma convulsão social. “Para completar o quadro, no Parlamento, onde alguns representantes não têm estatura moral para falar em nome do povo brasileiro, até por já serem réus acusados de corrupção, conduzem a toque de caixa, sem base legal,  processo de impeachment contra a presidente da República. “Enquanto jornalistas  não podemos aceitar em silêncio tal fato. “Defendemos sim, a punição de responsáveis por corrupção em qualquer esfera,  mas não podemos silenciar diante do quadro atual em que, vale sempre repetir, setores da mídia, do judiciário e do Parlamento conduzem suas ações para um golpe de Estado semelhante ao ocorrido em outros países da América Latina como o Paraguai e Honduras. “Defendemos, não partidos políticos, mas sim a democracia ameaçada neste momento grave que atravessa a nação brasileira. “Diante da urgência que o caso requer e da omissão da atual diretoria da ABI e do presidente Domingos Meirelles diante do atual momento, propomos divulgar esta nota imediatamente, já que consideramos o espaço vago e a ABI precisa ocupá-lo com posição que defenda a legalidade democrática e todos os jornalistas”.

Jornalistas contra o golpe

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Além dos signatários do manifesto, o jornalista Chico Pinheiro, conhecido por seu bom humor e seu trabalho como âncora de um dos principais jornais da Rede Globo — diretamente acusada por instituições da sociedade civil como mentora e principal apoiadora da tentativa de golpe — destaca-se, entre os periodistas que integram o quadro funcional das Organizações Globo e não temem perder o emprego. Pinheiro disse a um internauta, pelas redes sociais, que “o impeachment está previsto na Carta (Magna). O que o torna golpe são os personagens que tocam o processo e seus interesses”. “Processo de impeachment é político. E não vejo autoridade moral ou ética nos políticos que querem julgar a presidente”, acrescentou. Novamente, Pinheiro e os jornalistas que se rebelaram contra a orientação golpista da ABI estão acompanhados de outros editores que não compactuam com a ameaça golpista. Editor do site de notícias Conexão Jornalismo, o jornalista Fábio Lau publicou artigo, nesta segunda-feira, sobre a iniciativa do programa VerTV, da TV Brasil, que foi ao ar às 23h de domingo. “Ao começar a assistir ao programa, o telespectador desperta”, disse Lau. Apresentado por Lalo Filho, o programa discutiu, neste domingo, a cobertura das TVs dos últimos acontecimentos políticos no país, particularmente das manifestações. Com debatedores plurais como a jornalista Ana Carolina Trevisan, do site Jornalistas Livres, o cientista político da USP Wagner Iglecias e o historiador Wagner Nabuco, a crítica à maneira partidária ao jornalismo das grandes corporações se tornou inevitável. — Interessa esconder a história. As coberturas dos jornais desde 53 são sempre partidárias. E elas tem se repetido: o "Basta", do Estadão este ano, repetiu o "Basta" do (diário carioca) Correio da Manhã contra Jango — disse Nabuco. Trevisan lembrou que os sites progressistas têm feito o contraponto à grande mídia. Mas, para ela, ainda não é possível produzir grandes reportagens por falta de recursos – que abundam na mídia corporativa. Iglecias acrescentou que, ainda hoje, circula a piada que afirma ser o (diário espanhol) El País o melhor jornal do Brasil. A publicação espanhola pratica o pluralismo, na cobertura, que os jornais daqui se recusam a fazer. O programa mostrou, ainda, o quanto as TVs cobrem de maneira desigual as manifestações. Enquanto o destaque das ações contra o governo nas ruas são super dimensionadas, com coberturas ao vivo e convocação para adesões, o tratamento nas manifestações pró-democracia seguem o caminho contrário: são criminalizadas. Uma questão que esteve no centro do debate é a importância do jornalismo mostrar claramente de que lado está. Enquanto Veja, Globo, Folha e TVs tentam vender a ideia de "isenção", o que é falso, os blogs progressistas se assumem como pró-democracia – o que passa, em muitos casos, e alguns corretos, como pró-governo. Nabuco, diretor da revista Caros Amigos, lembrou que o jornalista pode ser militante. O que ele não pode ou deve é fingir não ser: na França, Itália e na Inglaterra o jornalismo se assume como de esquerda ou direita. Democratização da Comunicação Pedro Vilela, diretor da Fundação Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), lembrou que o Brasil precisa enfrentar o monopólio da mídia especialmente no rádio e na televisão. Nabuco, que há 19 anos atua na revista Caros Amigos, disse que os governos do PT erraram no tratamento do tema ao não enfrentar a desregulamentação. Ele acredita que se crie uma espécie com Pronaf da mídia – recursos mínimos de origem pública para permitir a sobrevivência e o crescimento da mídia alternativa não necessariamente engajada. Segundo ele, a decisão exigiria menos enfrentamento com as forças conservadoras da mídia monopolista. Iglecias acrescenta que a mídia corporativa, especialmente as TVs, vivem de recursos públicos e funcionam como propriedades privadas – passando de pai para filho. Trevisan pontua que hoje os Jornalistas Livres são acusados pelos colegas por estarem prejudicando o trabalho da classe por trabalharem sem dinheiro. Segundo ela, o momento de dificuldade está criando uma proximidade maior entre os jornalistas. O curso direto do CdB Como editor do Correio do Brasil, há 16 anos, tenho orientado a nau para que siga adiante, na defesa do Estado democrático e de Direito, mesmo nos momentos mais cruciais da vida política brasileira. Durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, denunciamos as privatizações e a escandalosa distribuição de propinas durante a votação da lei que garantiu o segundo mandato aos tucanos. A subserviência ao FMI e os planos de privatização da Petrobras. Ao longo do governo do ex-presidente Lula, o Correio do Brasil atuou como contraponto da mídia hegemônica e cartelizada, que apóia o golpe. Valorizou os programas de distribuição de rendas e denunciou a farsa do ‘mensalão’. Na primeira eleição da presidenta Dilma Rousseff, em 2010, revelou a denúncia da artista plástica Sheila Canevacci Ribeiro quanto à posição hipócrita do então candidato José Serra, em relação a temas sensíveis à sociedade brasileira, como o aborto. O assunto havia se transformado em um cavalo de batalha contra a campanha da presidenta Dilma e ameaçava se transformar no aríete contra as forças democráticas. O CdB, assim, mantém-se como a agulha da bússola que aponta o Sul como orientação geopolítica, na certeza de que um outro mundo é possível, distante da ganância e da opressão imposta por aqueles países que, ao longo da História, massacram as minorias e derrubam governos democraticamente eleitos. O fazemos, porém, de forma direta e embasada nos conceitos mais altos do Jornalismo, razão pela qual se mantém equidistante das paixões e fiel à narração da realidade dos fatos, sem meias palavras ou distorções. Esta posição valeu o bloqueio — que ainda hoje se ergue contra o jornal — tanto dos anunciantes estatais quanto das grandes corporações que, desde sempre, abastecem a mídia conservadora. Por uma decisão política, apesar dos vários convites, o Correio do Brasil recusa-se a receber qualquer tipo de prêmio concedido a jornais, e jornalistas, patrocinados por petroleiras, indústrias químicas ou qualquer outra organização empresarial. Não nos faz falta. Valorizamos, acima de tudo, os nossos assinantes, que exigem do CdB uma atitude objetiva e independente. Nestas Crônicas de um golpe, passo, a partir de hoje, a narrar o que, um dia, a História gravará para a posteridade. Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do diário Correio do Brasil.
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